Embustes e esperança de vida

Chamem-me o que quiserem. Mantenho a minha convicção. A equipa que jogasse em WM, com marcação homem a homem e não à zona, teria muito maiores probabilidades de ganhar o Campeonato. 

Por António Maria Coelho, OCA reformado

Para quem, como eu, já ultrapassou o ‘prazo de validade’ e não gosta que lhe enfiem barretes, os acontecimentos ganham uma nova perspetiva. São motivo de angústia, por perceberem que já dificilmente podem modificar o que acham estar errado e razão para tentarem um último esforço para estraçalharem os moinhos que os desafiam…

O Futebol foi uma minhas paixões, não como jogador, mas como espetador, desde o meus 13 anos. Como tenho ainda uma memória razoável, tenho um termo de comparação entre o ‘espetáculo’ que era o futebol dos anos 40 e 50 e o que vejo, agora pela televisão.

Chamem-me o que quiserem. Mantenho a minha convicção. A equipa que jogasse em WM, com marcação homem a homem e não à zona, teria muito maiores probabilidades de ganhar o Campeonato. 

 

Da recente e vasta bibliografia sobre futebol, ressalta pela positiva o livro de Desmond Morris A Tribo do Futebol. Numa edição de 2018, prefaciada por José Mourinho, pode ler-se na página 94, capítulo 7, A era das quatro linhas: «Alguns treinadores, é verdade, tentam abafar a individualidade dos jogadores ao exigir uma lealdade cega a complexos esquemas teóricos, mas mesmo aos berros, objetivamente, estes tiranos, não têm qualquer poder para controlar o que acontece no campo. Se os jogadores mantiverem os seus toques pessoais, o seu gosto especial pelo inesperado e as suas peculiaridades de movimento e sequência, o desgraçado treinador pouco ou nada pode fazer… Demasiados planos criam jogadores-robôs que podem evitar uma derrota, mas que também evitam entreter o espetador… Só uma coisa permanece, a designação de avançados, médios e defesas, dispostos em linhas, que só se percebem no início do jogo. Depois ninguém consegue ver em que disposição as equipas estão a jogar». 

Infelizmente, Desmond Morris enganou-se. Como se enganou Cândido de Oliveira ao afirmar que o futebol seria sempre um jogo de pares. 

Hoje, os treinadores, certamente para se afirmarem e beneficiarem de prebendas semelhantes às dos jogadores, não permitem jogadores que tenham a liberdade e a responsabilidade de criarem os movimentos táticos que conduzam a bola, o mais rapidamente possível, para perto da área adversária. Recordo a resposta do Travassos de quem fui amigo, quando lhe perguntei quem para ele tinha sido o seu melhor treinador: Olha António Maria,. talvez o Cândido de Oliveira, mas quem anda lá dentro somos nós. 

 

Os conflitos como o de Ronaldo com os seus treinadores, a maior parte por enquanto latentes, irão generalizar-se. Até quando os dirigentes dos clubes e das federações não quererão ver?

As sucessivas maneiras de jogar à bola, desde o WM atacante da minha meninice aos 442, 433, 4321, passando pelo tiki-taka, só têm tornado o futebol, entediante, insípido. É o golo e a sua preparação ou defesa que trazem beleza ao futebol.

O ataque no futebol de hoje é pouco eficiente. São passes só para manter a bola na posse da equipa, não são jogadas de ataque a pensar no golo, são palavras soltas, não são frases. 

A defesa é feita ‘à italiana’ dos velhos tempos, colocando o maior número de jogadores em frente da sua baliza mas agora com o dobro do esforço e de risco de fracasso, porque não marcam os adversários homem a homem e têm que correr que nem desalmados para lhes roubar a bola.

No único jogo em que vi dados estatísticos, a Holanda teve 13 remates (4 à baliza…) 784 passes e 2 golos; o Qatar 5 remates (3 à baliza) 452 passes, 0 golos. É impossível não reparar que foram precisos, à Holanda, 784 passes para rematar 4 vezes à baliza e marcar 2 golos.

 

Pensei que Portugal poderia alcançar uma boa posição neste campeonato, o que acabou por acontecer, embora inferior ao desejado. Não esquecendo o factor sorte/azar, todas as equipas a jogarem da mesma maneira básica, com marcação à zona e os jogadores por isso condicionados, ‘robôs’ ou ‘matraquilhos’, as equipas estão em pé de igualdade. Terão as mesmas dificuldades para roubar a bola a um adversário que não está por perto e terão que aproveitar um livre, um canto ou uma grande penalidade para marcar mais rapidamente um golo. 

A Santa da devoção de Fernando Santos desta vez não nos ajudou. Talvez devido a uma imperdoável falha de comunicação: ninguém A avisou de que quem equipava de verde e encarnado era Marrocos e não Portugal.