A severidade dos talibãs através da repressão e do medo

O grupo radical anunciou que as mulheres não podem ser admitidas em universidades, numa altura em que já foram instaurados e aplicados diversos castigos físicos.

Os receios que a comunidade internacional tinha em relação ao novo regime dos talibãs e de como este podia empurrar o Afeganistão para uma nova era de repressão e intensificação do conservadorismo voltaram a ser amplificados quando, esta terça-feira, foi proibida, “até nova ordem”, a admissão de mulheres nas universidades públicas e privadas de todo o país.

A notícia foi avançada pelo Ministério do Ensino Superior, citado pela agência noticiosa afegã Jaama Press, e diz que esta nova proibição restringe ainda mais o acesso das mulheres à educação, uma vez que já estavam excluídas do ensino secundário, enquanto o ministro da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício afegão, Mohamad Khalid Hanafi, acrescentou ainda que a reabertura dos centros educativos, encerrados desde a chegada ao poder dos talibãs, “depende em grande medida da criação de um ambiente cultural e religioso decente”.

Esta decisão controversa chega numa altura em que o grupo rebelde também estava a ser condenado por terem proibido mulheres de entrar em jardins, parques de diversões, ginásios e banhos públicos.

Desde que os talibãs regressaram ao poder, os direitos das mulheres, duramente conquistados nos últimos 15 meses, têm-se “evaporado”, tal como descreve o Guardian, enquanto a maioria das funcionárias do governo perdeu o seu emprego ou recebe salários para permanecerem em casa, estão proibidas de viajar sem um parente do sexo masculino e devem-se cobrir com uma burca ou hijab enquanto estiverem fora de casa.

Perante as críticas da comunidade internacional, o líder supremo dos talibãs já tinha alertado o resto do mundo para parar de se intrometer nos assuntos afegãos e defendeu que a aplicação da lei islâmica é a chave do sucesso do país.

“Dizem-nos: ‘Porque não fazes isto, porque não fazes aquilo?’ Porque é que o mundo se imiscui nos nossos assuntos? Não aceitaremos diretivas de ninguém no mundo. Só nos curvaremos a Alá Todo-Poderoso”, disse Akhundzada, citado pela agência francesa AFP.

 

Governar pelo “medo”

Esta é uma das diversas inquietações que se tem registado durante esta nova liderança, que foi também marcada pelo regresso da “sharia”, um sistema jurídico islâmico que permite a implementação de castigos contra “crimes graves”, onde estão incluídas ações como execuções públicas, apedrejamentos, açoitamentos e amputação de membros.

Após este sistema ter regressado ao ativo, “desde novembro, pelo menos uma centena de mulheres e homens foram vítimas de chicotadas ou da pena de morte após serem acusados de furto, violação de códigos de comportamento e “relações ilegítimas antes do matrimónio”, escreve a ONU News, reveleando que mais de cem pessoas foram alvo desta prática após serem acusadas de vários delitos.

“Desde que os talibãs assumiram a autoridade do Afeganistão que esperamos que eles cumpram as suas promessas de defender os compromissos existentes de direitos humanos assumidos no Afeganistão”, afirmou à CNN o vice-porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Farhan Haq.

“Eles não têm cumprido os compromissos. Continuaremos a pressioná-los em relação a esse assunto. Somos contra a pena de morte em todas as suas formas”, acrescentou Haq.

A sharia, que significa no seu sentido literal “o caminho traçado para a fonte”, é muito mais que um sistema jurídico, segundo a BBC, é um “código que tem disposições sobre todos os aspetos da vida quotidiana, incluindo direito de família, negócios e finanças”.

“Este é um conjunto de normas derivado de orientações do Alcorão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas – pronunciamentos legais de estudiosos do Islamismo”, pode ler-se no meio de comunicação britânico.

Segundo a sharia, que não é aplicado em todos os países muçulmanos e cuja rigidez varia consoante onde está a ser aplicado, homens e mulheres devem vestir-se “com modéstia”, uma interpretação que pode variar, e contém também punições severas, por exemplo, o roubo pode ser punido com a amputação da mão do condenado e o adultério pode levar à pena de morte por apedrejamento, enumera a BBC.

A Organização das Nações Unidas (ONU) condena este tipo de punição, descrevendo apedrejamentos como um tipo de “tortura” e um “tratamento cruel, desumano e degradante, e, portanto, claramente, proibidos”.

A decisão de aplicar a sharia foi anunciada pelo porta-voz do grupo fundamentalista, Zabihullah Mujahid, que escreveu no Twitter, no dia 13 de novembro, que esta norma “obrigatória” partiu do líder supremo, que não foi filmado ou fotografado em público desde que os talibãs voltaram ao poder, em agosto de 2021, após uma reunião secreta com um grupo de juízes.

“Examinem cuidadosamente os casos de ladrões, sequestradores e insurgentes”, escreveu o porta-voz. “Nos casos em que existam condições [para aplicar] a sharia, é obrigatório aplicar” todas as sanções previstas, acrescentou o porta-voz, citando Akhundzada, referindo-se aos delitos considerados pela lei islâmica como os mais graves e para os quais são previstas penas rígidas, incluindo castigos corporais, nomeadamente adultério, acusação falsa de adultério, consumo de álcool, roubo, crimes com violência ou ameaças, deserção e rebelião.

Farhan Haq afirmou que nem sempre a sharia, que tem uma tradição de cerca de 1400 anos, teve uma implementação tão dura. Por exemplo, na Arábia Saudita, esta é aplicada de uma forma rígida, onde o homicídio e tráfico de drogas podem ser punidos com morte e o adultério com apedrejamentos, mas na Malásia, onde existem muitas pessoas que não são muçulmanas, assim como dinâmicas sociais e económicas diferentes, existe “uma interpretação completamente diferente da lei”.

Esta rigidez no Afeganistão foi aplicada pelos talibãs quando o grupo terrorista esteve no poder pela última vez, de 1996 a 2001, pode ler-se na CNN, que descreve que estes aplicavam “punições violentas”, como execuções públicas, apedrejamentos, açoitamentos e amputações.

“Os talibãs têm uma abordagem particular da sharia que não se pode ignorar”, disse o vice-porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas. “Qualquer um que não se encaixe na sua definição pode ser condenado à morte”.

Quando os talibãs chegaram ao poder, estes tinham prometido que iriam abandonar algumas medidas mais repressivas e conservadores, mas, com esta decisão, o grupo radical pretende “endurecer a sua reputação que pode ter suavizado desde o seu regresso ao poder”.

“Se os talibãs começarem a implementar estes castigos isso terá como objetivo criar o medo que a sociedade foi perdendo gradualmente”, explicou a analista jurídica e política, Rahima Popalzai, citada pelo Guardian.