As lágrimas de Ronaldo

No Qatar, Cristiano Ronaldo tinha planeado uma vingança. Confiando cegamente no seu potencial, acreditava que ia brilhar a grande altura e provar a quem o tinha humilhado que ainda era o ‘melhor jogador do mundo’. Só que o plano falhou.

Cristiano Ronaldo a chorar, após a derrota com Marrocos que ditou a eliminação da seleção portuguesa no Mundial do Qatar, traz inevitavelmente à memória a imagem de Eusébio a chorar depois de a seleção ter perdido com a Inglaterra no Mundial de Londres de 1966. 

Quase 60 anos depois, a História repetia-se.

Com uma diferença importante: Eusébio tinha feito um Mundial brilhante, enquanto Ronaldo fez um mundial medíocre e cheio de casos.

Quem imaginaria este final de carreira para um dos maiores jogadores portugueses de sempre: a chorar sozinho, no fim de um jogo em que não fora titular, num Mundial em que apenas marcou um golo de penálti? E em que era o único jogador sem clube? Quem imaginaria para Ronaldo um fim de festa como este?

No Qatar, Cristiano Ronaldo tinha planeado uma vingança. Ele estava furioso com o treinador do seu último clube, o holandês Ten Hag, e queria mostrar-lhe que cometera um erro crasso ao remetê-lo para o banco de suplentes. E desejava provar ao Manchester United que, ao pôr-se ao lado do treinador contra ele, fora ingrato para quem tanto dera pelo clube no passado. 

Nesse sentido, antes de o Mundial começar, deu uma entrevista arrasando o treinador e o próprio clube.

Ronaldo sabia que, depois desta entrevista, viria a rutura.

Mas, confiando cegamente no seu potencial, acreditava que no maior palco do futebol no planeta, e como líder da seleção portuguesa, ia brilhar a grande altura no Qatar e provar que ainda era o ‘melhor jogador do mundo’.

Seria a desforra sobre o treinador que o humilhou e sobre o clube que há 20 anos o lançou na alta-roda do futebol mas que agora não o defendera como devia.

Só que a vingança falhou rotundamente. Ronaldo não conseguiu brilhar. E pior do que isso, Fernando Santos, o selecionador português, fez o mesmo que Ten Hag tinha feito: sentou-o no banco de suplentes, dando razão ao treinador holandês. O feitiço virava-se contra o feiticeiro. 

Pior não poderia ter corrido este Mundial para Ronaldo. Por isso, chorou no final do último jogo. Era o ruir de todas as esperanças que tinha acalentado para aquele momento.

E a mulher, Georgina Rodriguez, reagiu por ele, atirando-se ao selecionador. Não foi certamente ela que redigiu aquele post: foi um assessor de comunicação. O momento era demasiado importante para ser deixado ao livre arbítrio de Georgina. E o profissional que redigiu o texto não o fez com certeza sem o submeter à aprovação do próprio Ronaldo.

Portanto, ele exprime o que Ronaldo pensa e o que sente.

Aliás, toda a família Aveiro reagiu do mesmo modo: atirando-se a Fernando Santos e não aceitando a decisão do selecionador.

Ora, ainda que a reação se compreenda, é péssima para o futuro de Ronaldo. Qual será o clube que o irá contratar depois disto? Se o fizer, estará sujeito a acontecer-lhe o mesmo que aconteceu ao Manchester United. E o treinador que o acolha correrá o risco de ser atacado nas redes sociais como foram Ten Hag e Fernando Santos.

Se já era complicado encontrar lugar para Ronaldo prosseguir a carreira na Europa, agora será quase impossível.

Mas, pensando bem, tudo o que está a acontecer era previsível. 

Tendo nascido pobre e vindo ‘despachado’ da Madeira para o continente com dez anos, ainda criança, vivendo desde aí longe da família, Cristiano Ronaldo conseguiu superar tudo (até um problema no coração aos 15 anos, que o podia ter afastado do futebol) e impor-se como uma estrela na capital. Já era muito. Mas quis ir mais longe. 

Foi contratado para Inglaterra, projetou-se no planeta, tornou-se famoso em toda a parte. Foi endeusado, mitificado, adulado pelos fãs e levado aos píncaros pelos jornalistas. Ganhou milhares de milhões, mandou fazer carros de encomenda, encenou a sua própria vida, construindo uma família com filhos feitos de várias maneiras e com várias mães.

Encontrou um empresário influente que lhe conseguiu contratos únicos e o levou a ganhar prémios em toda a parte, para além dos que ele conquistava por mérito próprio.

Ronaldo sentiu-se dono do mundo.

E como tal era difícil não se tornar caprichoso, convencido, egocêntrico, sobranceiro, arrogante, senhor de si e da sua imensa importância, existindo acima de tudo e de todos, podendo ter tudo o que queria. 

Se muitas pessoas, por aparecerem na televisão, já se julgam importantes, imagine-se o que será um homem ser conhecido e ovacionado em todo o Globo, ganhar fortunas incalculáveis, ter 500 milhões de seguidores no Instagram, provocar um clamor no estádio sempre que toca na bola… Quem pode sair incólume de um desvario como este? 
Muito forte tem de ser mentalmente Ronaldo para não ter reagido aos episódios das últimas semanas de uma forma ainda mais agreste. E para aguentar o abalo emocional que, depois da glória, significará o declínio e a saída de cena.