A imoralidade do crescimento económico

Ao invés de aperfeiçoarmos o sistema preferimos optar por uma ‘moralidade’ discricionária como fonte de legislação. Aquilo que uns acham ‘imoral’ pode ser corrigido com uma taxa ou um imposto especial.

Por Rodrigo Moita de Deus

Ainda sou do tempo em que celebrávamos as boas notícias das empresas. Como sinal do desenvolvimento e progresso. Nas televisões, os pivots sorriam e, no parlamento, ministros e deputados referiam-se ao crescimento das empresas como reflexo do sucesso das políticas económicas dos governos. Todos sabíamos que o crescimento das empresas é causa e consequência do crescimento do país. E que o crescimento do país é causa e consequência do bem-estar dos portugueses. Sou do tempo dessas coisas básicas e não sou assim tão velho.

E, de repente, deixou de ser assim. Os pivots das televisões trocaram os sorrisos por um olhar desconfiado e os deputados que apontam para os bons resultados da economia como se fossem exemplos dos pecadilhos das governações.

Algures no tempo, aquilo que era um discurso ideológico de um nicho, passou para o mainstream. E com isso estamos a deixar que se interiorize a ideia de que o sucesso de alguém, ou de uma empresa, significa a ‘exploração’ de outro, ou uma burla nas margens. Por outras palavras, o crescimento das empresas, em vez de refletir o crescimento do país, passou a significar o seu esbulho. Abriram mais lojas? Estão a roubar. Contrataram mais pessoas? Estão a roubar? Tiveram lucros? Eu disse logo: estão a roubar. A palavra ‘lucro’ passou a ser dita com tom pesado e carregando as sílabas como quem anuncia um dos quatro cavaleiros do apocalipse. Estranho mundo este onde, em vez de celebrarmos quem paga IRC, exigimos que não façam. Porque o ‘lucro’ é imoral.

Em rigor a coisa não é novidade. Qualquer bom marxista acredita que a mais-valia resulta da ‘exploração do proletariado’, que a ‘acumulação de riqueza’ e a existência de ‘propriedade privada’ são crimes de lesa-pátria. E este discurso sempre esteve, mais ou menos, presente na praça pública. O que é novidade é a doutrina política ter passado a ‘moralidade’ transversal aos partidos. A mais-valia deixou de ser crime. Passou a ser imoral. Ainda que os consumidores tenham liberdade de escolha, ainda que o país tenha reguladores económicos, ainda que o sistema funcione de acordo com leis e regulamentos. Ao invés de aperfeiçoarmos o sistema preferimos optar por uma ‘moralidade’ discricionária como fonte de legislação. Aquilo que uns acham ‘imoral’ pode ser corrigido com uma taxa ou um imposto especial. Casas maiores que as outras? Imoral. Crie-se um imposto. Ano com lucros? Imoral. Crie-se uma taxa. Energia cara? Imoral. Crie-se outra taxa. A taxa é a punição que o Estado criou para o ‘pecado’ do crescimento. E a ‘moralidade’, depois da secularização do Estado, voltou a ser critério legislativo.

Quando permitimos que isto aconteça tudo o resto vem atrás.  O turismo voltou a ser mau. Porque nos ‘roubam’ as casas, aumentam o seu preço e enchem as ruas com tuk-tuks. Alimenta milhões de portugueses, mas é mau. O retalho é mau porque têm lucros, porque estão abertos ao domingo. São um dos setores mais dinâmicos da economia, mas é mau. O crescimento e o sucesso passaram a ser maus. E imorais. Passámos a pedir às nossas empresas que não cresçam tanto, que não tenham tanto sucesso, porque há alguns, na bolha, que não gostam e podem ficar incomodados. E dá menos trabalho criar uma taxa que lembrar que as empresas crescerem é bom sinal.