As grandes reformas do Marquês de Pimbal

Com António Costa deu-se uma reforma estrutural nas relações com os partidos antidemocráticos: a ‘geringonça’

Por João Cerqueira

Depois da entrevista que António Costa deu à Visão, Ana Gomes chamou-lhe Marquês de Pimbal por ele não ter feito nenhuma reforma nos últimos sete anos, ou nunca. Apesar da intenção crítica, este cognome é duplamente elogioso porque compara Costa com Pombal e porque afirma que ele é o mais popular, ou populista, ou popularucho dos políticos portugueses. Todavia, Ana Gomes está errada. Costa é um reformista nato. Poderá não ter feito reformas na economia, na saúde, na educação e na justiça, poderá não ter feito reformas que criam descontentamento e fazem perder eleições – e eis a sua genialidade -, mas fez outras.

Ei-las.

A reforma de se aliar a partidos que quiseram acabar com o seu partido (e teriam acabado com a sua carreira política).

Desde o 25 de Abril que Mário Soares designou como principal inimigo da democracia portuguesa, e do próprio PS, o PCP de Álvaro Cunhal e os outros grupos de extrema-esquerda que hoje formam o BE. Soares e outros dirigentes socialistas acusaram o PCP e os radicais de esquerda de querer impor uma nova ditadura em Portugal. O clímax desse confronto deu-se no 25 de Novembro de 1975: o PS foi um dos partidos que mais lutou para que a tentativa de golpe de estado fracassasse. Desde então, o PS manteve com o PCP e a restante extrema-esquerda relações frias e distantes.

Mas com António Costa deu-se uma reforma estrutural nas relações com os partidos antidemocráticos: a ‘geringonça’. Decretando que o Muro de Berlim tinha caído – ou seja, o PCP e o BE já não apoiavam ditaduras nem eram contra a UE -, Costa alia-se aos antigos inimigos do seu partido e forma um Governo. Ora uma reforma deste calibre não teve paralelo nas democracias europeias. Nenhum partido democrático se aliou com antigos inimigos que o tentaram destruir. É certo que Portugal é uma reserva de bolcheviques extintos no mundo civilizado, mas, ainda assim, não deixa de ser uma grande reforma.

A reforma de fazer parte de um governo de Sócrates, defender Sócrates, ser aldrabado por Sócrates e, ainda assim, continuar na política.

Eis outra grande reforma de António Costa. Nas democracias, aos políticos que são envolvidos em escândalos ou estiveram ao lado de governantes que causaram danos aos seus países e estão a contas com a Justiça, não lhes resta outra solução senão afastarem-se da política. Por vezes, basta apenas uma palavra infeliz, uma mentira, um favorecimento de alguém próximo para se ser corrido. Que o diga Boris Johnson. Apesar de não ter levado o país à bancarrota ou ser acusado de corrupção, o descabelado inglês foi forçado a demitir-se pelos seus colegas de partido por nunca assumir responsabilidades e mentir a rodos.

Ora António Costa conseguiu ser o número dois de Sócrates, defendê-lo durante anos, repetir a sua propaganda e acabar aldrabado por ele sem que nada lhe acontecesse. É também certo que Portugal não é Inglaterra ou a Suécia, que o povo português tem a memória mais curta do mundo desde que não haja bolas de futebol por perto, mas, ainda assim, esta reforma é estrondosa.

A reforma de não fazer reformas.

Ainda que pareça dar razão a Ana Gomes, esta reforma é mesmo uma reforma.

Desde o primeiro governo democrático que todos os primeiros-ministros, bem ou mal, realizaram reformas. Uns poucas, outros muitas, todos eles sentiram que era sua obrigação reformar o país para que este deixasse de ser pobre e atrasado. Mário Soares promoveu a adesão à Europa. Cavaco Silva reformou a economia. António Guterres reformou o queijo limiano. Durão Barroso reformou a guerra do Iraque. Santana Lopes foi reformado. José Sócrates reformou a relação dos governantes com a Justiça. Passos Coelho queria reformar o país todo.

 Eis que aparece António Costa e, além de desfazer as reformas de Passos Coelho, não faz nada. Mandou colocar bolas de Pilates cor-de-rosa na futura sede do Governo – o Campus APP -, fez ‘aumentos históricos’ de pensões, e por aí se ficou.

A reforma de convencer que fez reformas

Agora, a maior de todas as reformas: convencer os portugueses de que realmente reformou o país de alto a baixo. Foram feitas grandes reformas na Administração Pública que permitem poupar milhões, acabar com a burocracia e melhorar o atendimento aos cidadãos. Foram feitas grandes reformas na Saúde que permitem que já se possa adoecer em Agosto e ter filhos nos hospitais. Foram feitas grandes reformas na Educação que beneficiaram os alunos desfavorecidos, desde que não sejam avaliados em exames. Foram feitas grandes reformas na floresta que acabaram com os incêndios, desde que não haja pirómanos, descargas elétricas ou calor. Foram feitas grandes reformas nas Forças Armadas que permitem saber onde estão os paióis e acabar com a guerra na Ucrânia. 

Portanto, se o país parece estar na mesma é porque as reformas foram tantas e tão rápidas que após 360º de mudanças se voltou ao ponto de partida. 

O Marquês de Pimbal não precisa de um terramoto para mostrar o que vale, nem de supliciar Ana Távora Gomes em Belém. O estado do país fala por ele.