Alexandra Reis. “Este caso só existe porque a senhora foi para o Governo”

Alexandra Reis tomou posse como secretária de Estado do Tesouro no dia 2 de dezembro. Saída foi anunciada terça-feira à noite a pedido de Fernando Medina.

O caso Alexandra Reis continua a correr muita tinta. A demissão do cargo foi anunciada por Fernando Medina esta terça-feira à noite.

Para João César das Neves a indemnização de 500 mil euros a Alexandre Reis “parece bastante linear: se foi despedida havia lugar a indemnização; se não foi, não havia”. No entanto, reconhece que “a única coisa que valia a pena investigar são os variados movimentos de membros entre as administrações de empresas públicas e afins, e ver quantos pagamentos suspeitos passam despercebidos, só porque as pessoas não são famosas. Este caso, que deve ter múltiplas situações paralelas, só existe porque a senhora foi para o Governo”, diz ao i.

Mais arrasadoras são as críticas de Sérgio Palma Brito, autor do livro TAP que futuro? Como chégamos aqui?, para quem “o mais importante e o tema ignorado é esta ser a prática corrente em empresas do Estado, em que os administradores recebem sempre qualquer coisinha. Só André Ventura levanta o véu desta glória do Estado acionista”. Já em relação à TAP, acena com um “choque ente a CEO e Alexandra Reis, membro do conselho de administração e da comissão executiva, onde colaborava estreitamente com a CEO, que a empurra borda fora. Acordam a saída amigável para o politicamente correto ver. Para as suas alegrias, Alexandra Reis recebe 500 mil euros de compensação. Os advogados encontram a cobertura jurídica para a compensação. Os portugueses pagam”, diz ao nosso jornal.

O especialista de aviação aponta ainda o dedo à empresa pelo facto de ter mentido na informação enviada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Tal como o i avançou ontem, a companhia aérea tinha esclarecido em fevereiro que a sua saída se devia ao facto de ter renunciado. “Tendo sido nomeada pelos anteriores acionistas, e na sequência da alteração da estrutura societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios. Nos termos da referida renúncia, a mesma produzirá efeitos no dia 28 de fevereiro de 2022”, disse a empresa na altura. Mas que ontem foi esclarecido.

“A TAP mente na informação à CMVM. O presidente da TAP Manuel Beja (existe mesmo ou é virtual?) plana acima disto tudo. A CEO entende não informar os ministros da tutela. Os ministros reconhecem ser os últimos a saber, quais maridos enganados. O Presidente da República fala mal e demais, no normal funcionamento das instituições. O presidente da TAP… nada diz. É incapaz de fazer prova de vida ao não publicar todas as saídas da TAP que tiveram um miminho porque a vida não está fácil. Como acaba isto?”, questiona. Face a esse cenário, Sérgio Palma Brito defende que a CMVM tem de aplicar uma coima e o valor desta irá medir “a seriedade e independência” do órgão regulador. Enquanto isso, “a CEO apanha nas unhas, mas não se demite, nem o Governo quer que se demita”. Já em relação a Alexandra Reis demite-se do Governo “para não ser corrida. Passa pelo cabeleireiro e vai duas semanas para as Maldivas”. E pergunta: “Qual é o problema?”.    

Gestão oculta e ruinosa

 Para a historiadora Raquel Varela, “é preciso distinguir gestão do Estado de gestão pública”. No entanto, reconhece que “o que aprendemos ao longo da história e que ficou claro para todos nos últimos 30 anos é que nem tudo o que é de gestão do Estado é público. O Estado frequentemente gere a favor de interesses privados e minoritários e não a favor do bem público. A gestão da TAP é um caso claro disso”, diz ao i.

Segundo Raquel Varela, “este tipo de situações só pode ser impedido quando as empresas públicas tiverem uma gestão democrática dos trabalhadores e um controlo das contas abertas ao público, ou seja, se é uma empresa pública tem de ter as contas abertas ao público”. “Se exigimos isso para a contratação pública e para todo o tipo de funcionários públicos, etc., em que todos conhecemos os salários então isso também tem de ser feito para essas empresas”, conclui.

Lembra ainda que os estudos que fez em relação ao pessoal de voo, de cabina e da manutenção chegou à conclusão “que os trabalhadores têm uma enorme sensatez na gestão e não têm poder e quem tem poder não tem sensatez nenhuma” e dá, como exemplo, o facto de a TAP estar a ir buscar aviões no estrangeiro, ao mesmo tempo, que despede trabalhadores em Portugal. “É uma coisa ruinosa”, salienta.

Recorde-se que Fernando Medina pediu a Alexandra Reis para abandonar o cargo de secretária de Estado do Tesouro. "Solicitei hoje mesmo à Alexandra Reis que apresentasse o seu pedido de demissão como Secretária de Estado do Tesouro, o que foi por esta prontamente aceite", disse na terça-feira à noite em comunicado.

O ministro das Finanças revelou também que tomou essa decisão "no sentido de preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses", acrescentando que, "no momento em que enfrentamos importantes exigências e desafios, considero essencial que o Ministério das Finanças permaneça um referencial de estabilidade, de autoridade e de confiança dos cidadãos. São valores fundamentais à boa condução da política económica e financeira e à direção do setor empresarial do Estado".

Este pedido foi feito depois de o Governo ter revelado que tinha recebido os esclarecimentos prestados pelo conselho de administração da TAP, em resposta ao despacho dos Ministros das Finanças e das Infraestruturas e Habitação sobre o enquadramento jurídico da cessação de funções societárias e laborais de Alexandra Reis. Em causa está a indemnização de 500 mil euros à ex-administradora da TAP  – por ter saído antecipadamente do cargo de administradora executiva da companhia aérea portuguesa, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos – que foi entretanto foi nomeada secretária do Estado do Tesouro, depois de uma curta passagem pela também empresa pública NAV, Navegação Aérea de Portugal. De acordo com dois ministérios foi remetido “de imediato os esclarecimentos à Inspeção-Geral de Finanças e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para avaliação de todos os factos que tenham relevância no âmbito das suas esferas de atuação.

No documento enviado pela companhia aérea ao Governo – também divulgado pelos Ministérios das Infraestruturas e das Finanças – é confirmado que Alexandra Reis recebeu 500 mil euros brutos, apesar de ter pedido inicialmente 1479 mil euros. “Do valor global acordado, 56 500 euros correspondem especificamente à compensação pela cessação do contrato de trabalho sem termo como diretora da empresa; como contrapartida pela cessação antecipada dos contratos de mandato referentes às funções de administração, foi acordada uma compensação global agregada ilíquida de 443 500 euros, sendo importante referir que,  subjacente à mesma, se consideram (embora de forma não discriminada) duas rubricas em negociação: 107 500 euros de remunerações vencidas reclamadas, correspondentes a férias não gozadas; e 336 mil euros de remunerações vincendas, correspondentes a cerca de 1 ano de retribuição base, considerando a retribuição ilíquida sem reduções decorrentes dos acordos de emergência ou outras deduções”.

O documento diz ainda que, na sequência do acordo alcançado, “Alexandra Reis emitiu cartas de renúncia, que suportaram o registo junto da conservatória do registo comercial da cessação de funções de administração, bem como o anúncio feito ao mercado; como parte do acordo, foi consensualizada uma comunicação entre as partes, para fins internos e externos”, acrescentando que as duas partes “submeteram o teor do referido acordo de cessação a um compromisso recíproco de confidencialidade”.

Relativamente ao enquadramento legal, a TAP explicou ainda que o estatuto do gestor público não prevê a possibilidade de rescisão por mútuo acordo, tendo por isso recorrido ao código das sociedades comerciais. E esclarece que no que diz respeito à compensação por terminar mais cedo o mandato de quatro anos para os quais tinha sido eleita a compensação acordada é até inferior aos 12 meses de salário que constitui o limite imposto no estatuto do gestor público, porque considerou a remuneração sem os cortes de 30%.

Este esclarecimento surgiu no mesmo dia, em que o ministro das Finanças assinou o despacho que autorizou a entrada de mais 980 milhões de euros na empresa. Trata-se do último reforço de capital previsto no âmbito do plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia, totalizando assim os 3,2 mil milhões de euros, plano esse acordado com Bruxelas para a recapitalização da empresa.