Despertar do novo ano

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Cá estamos nós a escrever a última crónica de 2022. (artigo originalmente publicamente na edição impressa da revista Luz a 30 de dezembro).
Altura de fazer balanços.

Estou muito grato à Luz, a revista do jornal Nascer do Sol, por ter acolhido as nossas cartas ao longo de mais um ano. No ano que agora termina realizamos dezenas de tertúlias. Foram tantas as vezes em que ouvimos «Todas as semanas leio as vossas crónicas no Sol». Que bom saber que esta nossa conversa, intergeracional, vai ao encontro de tanta gente.

Com a tua exposição, e a do Ruy de Carvalho, perdi a conta aos kms que fiz de norte a sul do país. Tem sido uma experiência inesquecível andar convosco em itinerância. A forma como são recebidos, em cada local, demonstra a importância que o vosso trabalho tem tido para as pessoas ao longo das vossas vidas.

Sou só eu que tenho a sensação que este ano passou a voar?

Os Ucranianos hão de pensar precisamente o contrário! Já foram invadidos há 10 meses.

Foi um ano de grandes perdas!

Recentemente morreu o Prof. Fernando Pádua, o “pai” da medicina preventiva e a Maria de Lourdes Resende. O país ficou mais pobre com as mortes do Prof. Adriano Moreira, da Maria de Lourdes Modesto, da Eunice Muñoz, da Paula Rego, do realizador Lauro António…

No entanto, apesar de lamentar todas estas mortes, que bom foi para todos termos estas pessoas ente nós e o legado que deixaram à nossa sociedade.

Lá fora, apesar de terem morrido muitas personalidades, julgo que o destaque vai para a morte de Isabel II, a Rainha de Inglaterra.

No próximo ano a nossa odisseia irá continuar. Como canta o teu amigo Jorge Palma «Enquanto houver estrada para andar/ A gente vai continuar». Vamos do Minho ao Algarve, como quem vai de Oeiras a Lisboa.

Bom, vou vestir as cuecas azuis, separar as 12 passas, meter umas notas em vários bolsos… e alindar-me para receber o 2023.

O ano em que te irás tornar octogenária.

Vamos lá despertar para um novo ano.

Bom ano querida avó. Gosto tanto de ti.

Bjs

 

Querido neto,
Não gosto nada de balanços, porque há sempre coisas muito desagradáveis pelo meio… Começamos a contar as pessoas que morreram ou as que adoeceram gravemente, não, isso não é para mim! Como se costuma dizer, Ano Novo, Vida Nova. Mas acontece até uma coisa estranha comigo: eu, que, como tu muito bem sabes, faço festas por tudo e por nada, sobretudo por nada, nunca me lembro de festejar a passagem de ano. Como as 12 passas, mas baralho sempre, nunca sei se comi doze ou não, trepo para cima de uma cadeira (as figuras que a gente faz…) e mais nada. Lembro-me de um ano, há muito tempo, com todos os meus amigos em festarolas, e eu no sossego de um monte alentejano…

Os meus filhos também nunca alinharam nisso. Por isso fiquei muito espantada quando o meu filho me disse que ia festejar a passagem de ano com um amigo, que nós conhecíamos bem. E lá foi.

Veio a meia-noite, vieram as 2 da manhã…e as 3… e as 4…E eu comecei a preocupar-me. Nesse tempo – onde ainda nem se sonhava que iriam aparecer os  telemóveis – eu só sabia o telefone de casa do amigo dele. E disse ao meu marido que ia telefonar para lá. O meu marido, muito ensonado, resmungou qualquer coisa, «deixa lá o rapaz divertir-se, e vais telefonar para uma casa e acordar as pessoas todas, deixa lá isso, deita-te e dorme, o rapaz não se perde».

 Mas eu não conseguia dormir, claro, e liguei mesmo.

Veio o amigo dele ao telefone, com uma voz muito fresca, como se fossem 5 da tarde, e ainda me assustei mais.

«O André não foi ter contigo?»

«O André está ali dentro.  Não nos apeteceu sair e ficámos cá em casa a jogar xadrez. Mas que horas são? Olhe, nem nos apercebemos que era tão tarde…»

E foi esta a primeira e única passagem de ano que o meu filho festejou.

Um bom ano para ti!