Pelé 2. “É um menino, não pode nem entrar em filme de Brigitte Bardot!”

Como cresceu rápido Edson Arantes do Nascimento! Com 17 anos foi campeão do mundo com o Brasil, na Suécia. Desmaiou no fim.

(continuação da última edição) 

Por causa de Dona Laurinda, Edson não quis estudar mais. Era a professora dele em Bauru. O garoto falava demais durante as aulas e a velha punha-lhe bolas de papel amachucado na boca. Ou obrigava-o a ficar de joelhos em cima de feijão seco. O garoto vingava-se fugindo das aulas e jogando na equipa que fundou lá na rua: o Sete de Setembro. Metade a avançado; metade a guarda-redes. Foi sempre bom num lugar e no outro. O futebol tornava-se inevitável na sua vida. 

Um dia, o Sete de Setembro foi jogar um torneio entre equipas de miúdos no campo do Bauru. Uma manhã e uma trade inteiras de desafios consecutivos, Edson foi o melhor de todos os fedelhos, Não tardou a ser chamado para treinar no Bauru. Tinha 14 anos e passou a receber 4500 cruzeiros. O seu treinador era uma velha estrela da selecção brasileira dos anos-30, Waldemar de Brito. Bauro Atlético Clube dava BAC. A equipa dos meninos passou a ser o Baquinho. Dico, como ainda era tratado, não tardou a ficar conhecido por todo o povo que ia vê-lo jogar por causa de insistir nos pontapés de bicicleta. Toda a gente gritava pelo seu nome e ele adorava o gesto. “Ainda jovem achava fácil marcar golos daquela maneira. É um movimento tipicamente brasileiro e sentia-me muito orgulhoso por ele”, explicou certa vez.

A vida de Edson era cada vez mais futebol em cima de futebol para desgosto de D. Celeste, que ainda sofria horrores com a lesão de Dondinho que o inutilizara para o jogo. Conseguiu acabar mais dois anos de estudos, mas a fama de um rapazinho de qualidades extraordinárias corria por toda a parte, sobretudo após a vitória do Baquinho sobre o Flamenguinho, campeão juvenil de São Paulo: 12-1, sete golos de Edson! Os clubes batiam à porta da família Nascimento só para ouvirem o contínuo NÃO da mãe. Até que, certo dia, cansada de lutar contra o destino, disse sim. E Dico assinou contrato pelo Santos.

Entre craques. O Santos era treinado por Luís Alonso Perez, conhecido por Lula. Ele percebeu rapidamente que Dico era um caso único. Para começar não mostrava medo nenhum dos grandes craques do clube, Jair da Rosa Pinto, Formiga, Pepe, Hélio… Não se esquivava a driblar quem quer que fosse nos treinos e corria como uma flecha para a baliza. Pesava apenas 60 quilos. Foi fazer trabalho de musculação com o juniores, a equipa do Santos chegou à final estadual e perder, tendo Dico falhado um penalti. “Chorei convulsivamente. Pensei que não podia continuar no clube de tanta vergonha”. Não havia razão para isso. O Santos sabia o que tinha em mãos. Ofereceu-lhe novo contrato, a seis mil cruzeiros por mês. Não tardou a estrear-se na equipa principal, num simples jogo de treino, em Cubatão, que não entrou para as estatísticas mas no qual marcou quatro golos na vitória por 6-1.

Já nunca mais Gasolina e sim Pelé, o mundo tratou de conhecê-lo. Jogou um torneio internacional no Maracanã por uma equipa mista entre Vasco e Santos, defrontou o Belenenses e marcou três golos com a naturalidade de quem bebe um copo de água: o primeiro entrando na área e passando por três defesas azuis; o segundo num chapéu a José Pereira; o terceiro num remate poderoso, de muito longe. Poucas semanas mais tarde era chamado à selecção e marcava dois golos nos jogos da Copa Roca (um troféu disputado entre Brasil e Argentina), tornando-se óbvio candidato a surgir na convocatória de Vicente Feola para o Mundial da Suécia. Nelson Rodrigues eternizou-o com uma crónica notável: “Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: dezassete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverosímeis. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezassete anos, jamais. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das nuvens. É, de fato, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme de Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem: é um génio indubitável. Digo e repito: génio. Pelé podia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: ‘Como vai, colega?’” (Continua na próxima edição)