Costa faz marcação a Pedro Nuno

Costa puxou de dois quadros do PS próximos do ex-ministro das Infraestruturas. Pedro Nuno Santos respondeu com saída do secretariado nacional do partido, para se ‘demarcar’.

Costa faz marcação a Pedro Nuno

Tática política são as palavras que melhor descrevem os nomes que o primeiro-ministro tinha na manga para susbtituir o ex-ministro Pedro Nuno Santos. Com João Galamba e Marina Gonçalves a dividirem as Infraestruturas e a Habitação, respetivamente, o primeiro-ministro delegou o superministério em dois pedro nunistas. Não se sabe se para compensar ou talvez condicionar o seu maior adversário interno à solta. A verdade é que no verão António Costa não quis demitir Pedro Nuno Santos na sequência do caso sobre o famoso despacho da localização do novo aeroporto de Lisboa, e agora também não quis purgar o pedronunismo do seu Governo, repetindo a estratégia de fazer uma remodelação condicionada pelas dinâmicas do PS.

Para os socialistas próximos de Pedro Nuno Santos, não é isso que vai travar as aspirações do mais que assumido candidato à sucessão de Costa: até porque Pedro Nuno Santos nunca ameaçaria a estabilidade de um partido que um dia quererá herdar.

«Há aqui um jogo. O primeiro-ministro António Costa, ao nível dos novos membros do Governo, acaba por tentar compensar Pedro Nuno Santos com nomeações da sua órbita. Mas ainda assim, Pedro Nuno está a procurar fazer demarcações», comenta um antigo dirigente socialista ao Nascer do SOL, realçando o facto de tanto João Galamba como Marina Gonçalves serem dois discípulos do antigo governante.

Ainda assim, nos próximos meses, Pedro Nuno Santos deverá remeter-se ao silêncio, tal foram as palavras com que se despediu dos jornalistas à saída da tomada de posse dos dois novos ministros. «Foi um prazer, agora deem-me descanso», afirmou, recusando comentar o facto de ter pedido para deixar o secretariado nacional do PS. A informação foi avançada pela SIC e entre socialistas está a ser entendida como um sinal de demarcação frontal da atual liderança do partido. Na prática, o ex-ministro das Infraestruturas fica livre de responsabilidades de direção partidária, já que o secretariado nacional é o órgão que aconselha o secretário-geral e acompanha na primeira linha a atividade do partido.

No secretariado continuam os três outros socialistas mais falados para a sucessão de António Costa: Ana Catarina Mendes, Mariana Vieira da Silva e Fernando Medina. Por oposição, Pedro Nuno Santos fica mais livre para opinar sobre o rumo do PS, e arrepiar caminho para vir a disputar o lugar de secretário-geral do PS.

Ao que o Nascer do SOL apurou, a intenção de Pedro Nuno Santos é partir para o terreno no verão, lançando-se à (re)conquista do apoio que as bases de norte a sul do país nunca lhe negaram. Nem agora, após a sua saída do Governo – bem pelo contrário.

«A imagem que ele procurou construir é a imagem de alguém que não só é concretizador, como tentou fazer e não o deixaram. Isso depois será somado à dimensão ideológica que ele também gosta de afirmar. A partir daí está a criar o caminho para uma trajetória de demarcação, resta saber se vai depois ao ponto do confronto», imagina o mesmo dirigente socialista, que diz não ter dúvidas que Pedro Nuno Santos vai pontuar a partir de agora a governação, sobretudo a partir da bancada parlamentar.

 

Nomeações não são à prova de bala

Além dos dois ministros, seis secretários de Estado tomaram posse na quarta-feira. Mas apenas cinco ainda estão em funções. Carla Alves, que era diretora Regional de Agricultura e Pescas do Norte, desde dezembro de 2018, foi nomeada secretária de Estado da Agricultura, substituindo Rui Martinho, que deixou o Governo por motivos de saúde. Mas, na tarde de quinta-feira, pouco mais de 24 horas após ter tomado posse, apresentou a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo, depois de o Presidente da República lhe ter apontado a porta de saída. Marcelo Rebelo de Sousa considerou que Carla Alves tinha «uma limitação política» e representava um «peso político negativo» no Executivo, na sequência da notícia do Correio da Manhã que dava conta que a agora secretária de Estado demissionária tem diversas contas arrestadas, no âmbito de uma investigação que visa o marido Américo Pereira, ex-presidente da Câmara de Vinhais.

Em causa está uma discrepância significativa entre o rendimento declarado e o valor que foi sendo depositado nas contas conjuntas do casal.

 Antes de Carla Alves se demitir, no debate de moção de censura ao seu Executivo, o primeiro-ministro admitiu a possibilidade de saída da secretária de Estado, apontando que «se um membro do Governo tiver rendimentos não declarados,  não deve manter-se como membro do Governo». Costa ainda prometeu propor ao Presidente da República  um circuito entre a indicação e a nomeação de membros do Governo que evite o desconhecimento de factos e garanta maior transparência nesse processo, apesar de esse mecanismo de escrutínio parecer agora vir tarde demais, dado que no total, desde que o atual Executivo foi constituído, somam-se já 12 demissões ao fim de nove meses. E o número pode não ficar por aqui dado o histórico do novo secretário de Estado do Ambiente (ver páginas 6 e 7).

 

Secretários de Estado com ‘prata da casa’

Os novos secretários de Estado que tomaram posse na quarta-feira não são, em grande parte, totalmente desconhecidos nas lides políticas, alguns transitam de gabinetes ministeriais, outros de entidades públicas. «O critério é fazer com a prata da casa», tal como resumiu o Presidente da República, quando se referiu às escolhas de João Galamba para ministro das Infraestruturas e de Marina Gonçalves para ministra da Habitação.

As mudanças na orgânica do Governo também não se ficam apenas pela separação das Infraestruturas da pasta da Habitação antes tuteladas pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos. No Ministério do Ambiente, o lugar deixado vago por João Galamba também se desdobrou em dois e ganhou novos rostos: a secretaria de Estado do Ambiente passa a estar entregue ao deputado socialista Hugo Pires, já a Secretaria de Estado da Energia e Clima passa para as mãos de Ana Fontoura Gouveia, que estava no gabinete do primeiro-ministro como assessora económica desde 2019.

Licenciado em arquitetura e com mais currículo político, no Parlamento, Hugo Pires coordenou o grupo de trabalho que preparou a Lei de Bases da Habitação, tendo sido também coautor da Lei de Bases do Clima. Era deputado desde 2015 e vice-presidente do grupo parlamentar socialista desde 2019.

Doutorada em Economia pela Nova SBE, onde é professora assistente, antes da entrada no gabinete de António Costa, Ana Fontoura Gouveia esteve no Banco de Portugal, tendo ainda exercido funções no Banco Central Europeu até 2014. Também já passou por gabinetes dos Ministérios das Finanças e da Economia.

O novo ministro das Infraestruturas também escolheu para seu secretário de Estado um adjunto do seu antecessor: Frederico Francisco, novo secretário de Estado das Infraestruturas, era adjunto de Pedro Nuno Santos e foi responsável pela elaboração do Plano Ferroviário Nacional. Mestre em engenharia aeroespacial e doutorado em Física, foi o nome encontrado para substituir Hugo Mendes, que se demitiu na sequência da polémica relativa ao pagamento pela TAP de uma indemnização à ex-secretária de Estado Alexandra Reis.

A nova ministra da Habitação também só terá uma ajudante: Fernanda Rodrigues, uma estreante em funções governativas. Com um vasto currículo académico, a agora secretária de Estado da Habitação tem dedicado a sua carreira à docência e à investigação. Doutorada em Engenharia Civil, tem desenvolvido trabalho relacionado com a eficiência energética e hídrica dos edifícios, bem como sobre o estado de conservação de edifícios. É ainda vice-presidente da Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações Prediais (ANQIP).

Para o lugar de Alexandra Reis, que foi demitida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e cujo caso esteve na origem da crise governamental que levou a esta remodelação no Executivo de António Costa, surge mais um nome com experiência em gabinetes governamentais: Pedro Sousa Rodrigues. Foi adjunto de Eurico Brilhante Dias na secretaria de Estado para a Internacionalização e agora salta para a secretaria de Estado do Tesouro. Com um percurso ligado à AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, é mestre em Ciências Empresariais, com especialização em Finanças, tendo agora na sua alçada a responsabilidade sobre as empresas públicas e a tarefa de fazer avançar a privatização da TAP.