2023: um ano difícil, de transição

Esta remodelação governamental demonstrou a incapacidade do PS de Costa de encontrar alternativas na sociedade civil que ajudassem a recuperar o já enorme desgaste de imagem deste Governo. As sucessivas substituições dos demissionários não trazem surpresas e os ‘novos’ titulares não entusiasmam.

1.Habituado a ser amado, Marcelo sofreu em Murça um dos maiores dissabores neste seu mandato: confrontado com palavras desabridas, percebeu que a colagem ao Governo já há muito tinha ultrapassado a retórica dos partidos da oposição (sobretudo de direita) para descer à rua. Pela frente, tinha gente amargurada com as voltas da vida, homens e mulheres descrentes das frases esperançosas do Governo que se multiplicam na comunicação social, pessoas que sofrem diariamente para ter consultas ou cirurgias, sentem os efeitos da inflação nos bolsos e consideram que a educação dos seus filhos deixa muito a desejar.

A cruel frase de que «o Sr. Presidente fala muito, mas nada faz» certamente que lhe tocou fundo, sobretudo porque sentiu que essa é uma perceção real do seu povo e que indiscutivelmente pode fazer muito mais e melhor. Quanto este episódio pesou no seu discurso de Ano Novo, realmente nunca saberemos, mas a verdade é que este foi um dos discursos mais duros que alguma vez proferiu, relembrando ao Governo de maioria absoluta que, por essa razão, a responsabilidade também é absoluta e a estabilidade só depende da atuação de Costa como líder (acrescentando eu que tem sido notória a descoordenação com os seus ministros, como Ana Gomes publicamente admitiu, ao referir que Costa «não pode demorar tanto tempo a recebê-los»).

Seja na execução do PRR ou no aproveitamento dos irrepetíveis fundos estruturais, na responsabilidade de atrair e tirar proveito do turismo e do investimento externo, na capacidade de criar internamente condições para a retenção de talentos, nos cuidados a ter para evitar futuras vagas de novos contágios de covid-19, no relembrar de que pertencemos à Europa com quem temos de cooperar para a defesa de valores tão essenciais como o da própria democracia tão ameaçada com a guerra da Ucrânia, Marcelo foi direto a relembrar a Costa as responsabilidades estruturais na governação, ao proferir ser «imperdoável desperdiçar 2023», porventura o ano mais difícil até 2026, mas com a vantagem de ser um ano sem eleições.

Escassos dias antes, perante mais um dos múltiplos ‘casos e casinhos’ que têm minado este Governo, Marcelo referiu perentoriamente que o cenário de demissão não se colocava. Houve eleições há escassos meses e o país jamais poderia desperdiçar o precioso tempo que o Governo precisa em 2023 para governar para se disputarem eleições que certamente não trariam quaisquer melhorias ao atual cenário político e iriam paralisar o país durante meses. Tinha razão Marcelo? Obviamente que sim, sobretudo porque não se vislumbra uma sólida alternativa governamental (desde há demasiado tempo, acrescento eu).

No PSD, principal partido da oposição, Rio saiu, Montenegro entrou, apareceu em diversas ocasiões dando a ideia que finalmente se poderia projetar (e ao seu partido) como real alternativa, mas andou desaparecido neste longo período desde as férias do Natal até ao Ano Novo em que houve de longe o maior ‘casinho’ governamental. Podem dizer que é azar isto suceder logo quando Montenegro foi de férias, mas seguramente que não é azar não ter sequer aparecido via Skype (já para não falar em regressar no primeiro avião), para liderar o momento. São estes pormenores que definem os líderes…

Neste hiato de alternativa, emergiu Cotrim de Figueiredo (IL), logo propondo uma moção de censura ao Governo, demonstrando ter uma (rara) perceção política, deixando nervosos os socialistas, apesar de seguros na sua maioria parlamentar. Na oposição, o PSD referiu ir envergonhadamente abster-se, o Chega aproveitou a boleia da IL e marcou pontos junto do seu eleitorado ao anunciar o voto a favor, o Bloco, mais o PCP, o Livre e o PAN, anunciaram votos contra, exclusivamente por razões ideológicas contra os proponentes, porque, para zurzir o Governo, têm estado na linha da frente, principalmente ‘na rua’.

Cotrim precipitou a moção porque para além da oportunidade de liderar a Oposição, antecipa a futura guerra de Pedro Nuno Santos (PNS) com Costa (confirmada posteriormente com o anúncio de PNS sair do Secretariado Nacional do PS), ‘sabendo’ que será o primeiro de todos os momentos em que Costa vai ficar a dever aos apaniguados de PNS o apoio parlamentar (uma primeira fatura a cobrar a prazo!). Diz-se que este ‘controla’ cerca de 1/3 dos deputados do PS e foi exatamente a estes que Cotrim também se dirigiu, ao apelar à rebelião contra um líder (Costa) esgotado.

Podem os socialistas denegrir publicamente Cotrim de Figueiredo, mas este, para além de ter colocado a IL como o 4º maior partido nacional, demonstrou ter coragem política. Melhor faria Montenegro se começasse a engendrar uma solução alternativa de Governo, em conjunto com a IL (e o CDS), para demonstrar ao país (e também a Marcelo) que ao socialismo estatizante se opõe uma real alternativa na direita democrática que seguramente teria enorme força de tração para ganhar as próximas eleições, quiçá também com maioria parlamentar.

 

2. Esta remodelação governamental demonstrou a incapacidade do PS de Costa de encontrar alternativas na sociedade civil que ajudassem a recuperar o já enorme desgaste de imagem deste Governo. As sucessivas substituições dos demissionários não trazem surpresas e os ‘novos’ titulares não entusiasmam, sobressaindo a ideia de que, para além da preocupação de salvaguardar equilíbrios com a fação PNS dentro do próprio PS e do reforço das relações de amizade/familiares dos governantes, Costa apenas se preocupa com o curto prazo, não transmitindo uma visão de estratégia para o país e de governação a longo prazo.

Para quem está de fora, Costa, apesar de uma dialética sempre muito bem estruturada e seguindo até à exaustão um conjunto de ‘frases-chave’ que os seus profissionais de comunicação lhe preparam, aparenta um enorme desgaste (também físico) após estes sete anos de governação e, sobretudo, os últimos 9 meses, muitíssimo difíceis. Será que na realidade Costa já anseia que, lá para finais de 2023 ou princípios de 2024, Marcelo convoque eleições e o liberte para outras andanças?

 

P.S. – A bancada do PS reprovou a audição parlamentar quer dos responsáveis ministeriais quer dos profissionais envolvidos no dossier TAP. Estranho conceito de democracia… Para memória futura!