O jogo do gato e do rato

A imagem do primeiro-ministro na sessão de posse de novos membros do Governo é significativa. Ele ali estava, sentado, entregue, rendido, absorto.

Sinais dos tempos, talvez. Mas convergentes e significativos.

Há um sentimento de inquietação no ar e uma profunda sensação de impasse.

Um Governo de maioria absoluta, saído de uma crise que pretenderia ser clarificadora, devia conduzir a um estado de alma no qual a vertigem realizadora e o entusiasmo constituíssem as notas dominantes.

Nada disso acontece.

Parece uma pobre cena de rua em que um cidadão cansado da vida se encosta a uma parede e fuma pacatamente um cigarro.

Espera coisa nenhuma, os olhos correm pelo vazio, o corpo ocupa um lugar esquecido.

Eu sei que há guerra e crise e crise e guerra, mas há um país acima de tudo que espera um sopro de ânimo diferente, uma proposta mobilizadora, um percurso documentado de progresso.

Ao menos um Governo que mostre querer, acreditar, mudar, realizar, conquistar as pessoas.

Nem isso.

 

A imagem do primeiro-ministro na sessão de posse de novos membros do Governo é significativa. Ele ali estava, sentado, entregue, rendido, absorto.

Desde há muito tempo que se encerra na sua torre de marfim, se rodeia de gente de confiança, se limita a gerir as carreiras políticas e os lugares e as expectativas dos seus.

Depois de todo este tempo tinha uma oportunidade histórica.

As coisas não têm corrido bem, a insatisfação cresce, a desorganização é manifesta, a incompetência campeia.

Já não são apenas os opositores que, quase por obrigação, o descobrem. Vários dos seus apoiantes juntam as suas vozes e denunciam e discordam.

A resposta só podia ser, não apenas um ‘lifting’ mas uma substituição das caras, uma renovação dos critérios de escolha.

Ao Governo dos ‘apparatchiks’ devia suceder o Governo das competências, dos vultos prestigiados, dos mais capazes.

Quem não consegue reunir-se de gente com prestígio fica condenado a uma apagada e vil tristeza. Mede-se a sua capacidade de transformar e inovar pela capacidade de quantos o rodeiam.

Estamos, portanto, conversados.

Mas este primeiro-ministro é um homem conhecedor e experiente da manobra política. Sabe certamente tudo isto e muito mais.

 

A verdade é que parece optar por não querer governar, por entender que não tem condições, por recear o futuro.

E aqui entra um jogo mais perigoso.

E se o Presidente da República que, por mais do que uma vez tem feito exigências e sublinhado incapacidades, entendesse dissolver o Parlamento e convocar eleições gerais?

Se não se limitasse ele a, perante o escândalo de uma remodelação que o não é, denunciar os vícios e esperar pela inconsequência.

‘Les jeux sont faits’.

Há aqui um jogo do gato e do rato cada vez mais claro.

 

O primeiro-ministro quer ser derrubado e o Presidente sabe que não deve cair nessa tentação.

Os mais apressados dirão que é o país que perde, que daqui para a frente tudo ficará pior.

Pedem uns dissolução, pedem outros moções de censura.

Discordo.

As razões da censura ir-se-ão avolumando, o Governo continuará a dissolver-se por si próprio.

Habituemo-nos a ser pacientes.

Nunca me esqueci do tempo em que o écran do televisor ficava a negro e letras brancas anunciavam: o programa segue dentro de momentos.

Nesses intervalos o primeiro-ministro dará entrevistas a dizer que tudo vai bem e que a Pátria está feliz.

Pelo menos, alguns gestores públicos continuarão a saltar de lugar em lugar, a receber indemnizações e prémios de produtividade.