Pensar as Freguesias, sentir o seu valor

Não é admissível que se apague o tempo, a história, porque o passado recente também é história. Faz história. E tudo em nome de um apenas ‘porque era assim’. 

Por Paula Alves, presidente da União de freguesias de Queluz e Belas

Vivenciamos hoje uma tentativa de reorganização territorial das freguesias, decorridos 9 anos da lei ‘Relvas’, mediante a qual freguesias foram unidas por mera imposição legal.

Não nos propomos a desafiar a letra da Lei nº 39/2021, de 24 de junho, como parece estar a acontecer, face ao verdadeiro espírito do legislador quando estabeleceu o regime transitório do artigo 25º.

Não pretendemos perder tempo a tentar justificar prazos já ultrapassados, mediante o fracasso do número de propostas que chegaram à Assembleia da República, nem continuar a justificar o injustificável erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações, que ocorreu ou não.

Nem é o momento de invocar a vontade política dos eleitos nas autarquias, legitimados sim, mas percentualmente legitimados e essa percentagem não pode perfazer o total, subestimando aquilo que é o valor da Democracia – a participação livre das populações.

O que nos move é algo tão simples e que temos a obrigação de diariamente cuidar: refletir sobre o que é fundamental quando falamos de reorganização; do sentimento de perda ou de pertença e da vontade popular diretamente expressa, perante uma realidade que, só ela pode dizer que garantiu ou não uma maior proximidade, uma maior satisfação e realização dos seus problemas.

Falamos daquilo que nos liga às nossas gentes: a razão e o coração. Doa a quem doer, a única vontade livremente expressa é a da população. Se ela se pronunciou pela reorganização, então o processo deve seguir em seu respeito; se ela em momento algum se pronunciou e de forma expressiva e sem margem de dúvidas não participou neste processo de reorganização, atentemos porque, usando a força da política, simplesmente porque queremos que volte a ser como era (mesmo que mal), estaremos a destruir novas oportunidades de crescer, de aspirar a ser mais e melhor, a hipotecar aos nossos jovens o futuro na terra onde nasceram e cresceram, mas mais preocupante, a pretensiosamente assumirmos ser quem não somos, os detentores da verdade.

Uma reorganização administrativa tentada sob a égide de que os eleitos representam a população não pode subverter as regras de um verdadeiro plebiscito, sobretudo quando se trata de dar à população o direito de se pronunciar sobre a forma como querem que a sua terra seja gerida, porque é disto que trata uma verdadeira reorganização territorial.

Há seguramente dúvidas. E certamente que se espera dos autarcas do Século XXI que saibam encontrar as melhores soluções.

Não é admissível que se apague o tempo, a história, porque o passado recente também é história. Faz história. E tudo em nome de um apenas ‘porque era assim’. Permitam-me concordar em discordar. Do que este país precisa não é de mais ou menos freguesias, precisa das que foram necessárias, precisa se calhar de mais municípios, de melhores freguesias, de uma regionalização, e sobretudo, precisa, que tudo isto seja ponderado, discutido e refletido, seja qual for a melhor solução. Mas ela será certamente a melhor quando for o povo a decidir por si. É isso que se espera dos eleitos locais. Só assim se exercerá livre e lealmente o cargo que nos foi conferido. E é isso que espero que os deputados da Assembleia da República garantam.