Fronteira vs. decadência

Os USA foram construídos por homens de fronteira: pioneiros que colonizaram um continente novo e depois o expandiram para oeste do Mississipi até a Califórnia. 

Nova Iorque, janeiro 2023

«Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos».
Fernando Pessoa

«Do not follow where the path may lead. Go instead where there is no path and leave a trail».
Ralph Waldo Emerson

«I still haven’t found what I’m looking for».
U2, Joshua Tree

Queridas Filhas,

Um novo ano convida a refletir onde temos estado e para onde queremos ir. Nas últimas décadas tenho experimentado uma discrepância entre as atitudes dos dois lados do Atlântico. Na Europa, predomina o pessimismo: «Isto está cada vez pior…», «Quanto mais as coisas mudam, mais elas ficam na mesma». Na América, o otimismo é celebrado: «This is going to be our breakout year…»; «We can do it!». 

Só recentemente me apercebi das raízes históricas destas diferenças. Os USA foram construídos por homens de fronteira: pioneiros que colonizaram um continente novo e depois o expandiram para oeste do Mississipi até a Califórnia. O viés é para descoberta, exploração, procurar novos caminhos, expandir os horizontes inconformado com o passado.

A Europa tem uma História Gloriosa de que, com razão, se orgulha. Fundada em valores judeo-cristãos, e animados pelos períodos da renascença, descobertas marítimas e iluminismo atingiu um apogeu de civilização que outras culturas não conseguiram. Mas desde o final do século XIX, a Europa perdeu iniciativa, virou-se para dentro, abandonou a religião em favor de soluções mais ‘cientificas’ de nazismo e de comunismo que resultaram em duas guerras mundiais e dezenas de milhões de vítimas. Na ressaca deste desastre, a Europa ficou avessa a mudanças bruscas e projetos ambiciosos. A religião e espiritualidade perderam-se. O Niilismo instalado elevou roupas, carros e férias a desígnios de vida, financiados pela redução do número de filhos. Progresso fica medido por mais regulações que ponham travão a mudanças e limitem a ambição de quem queira mudar. O futuro e a mudança são vistos com apreensão. 

Como nos avisa Fernando Pessoa, isso leva ao fim da nossa vida. Ainda que as nossas funções vitais continuem, o nosso tempo aqui fica resumido a uma vida vegetativa e alguma competição por sinais exteriores de status. A Europa deixou de se interessar na fronteira. A Europa tem medo de mudança. 

Dirão muitos que a fronteira é perigosa. Arrisca-se a vida, arrisca-se perder, arrisca-se cair no ridículo. Sem dúvida. Mas o desistir da vida, do crescimento, também é um risco. Não só pelas oportunidades perdidas, mas porque o mundo evolve, e mesmo aquilo que tínhamos antes nos pode ser tirado. Por exemplo, nos últimos anos Portugal tem sido ultrapassado em desenvolvimento económico por vários países de leste, e segundo especialistas, acaba de ser ultrapassado pela Roménia. 

Não me surpreende. Nos últimos 20 anos quando volto a Portugal não vejo construção de escolas, não vejo construção de hospitais, não vejo construção de estradas, portos e aeroportos. Não vejo construção de empresas de semicondutores ou de centrais nucleares. Vejo sim melhores carros, pessoas mais bem vestidas e grandes filas para os centros comerciais. Vida confortável a curto prazo, longe da fronteira, mas hipotecando o futuro.

No Governo, vejo falta de ideias, ministros recrutados de carreiras partidários com pouca ou nenhuma experiência de construir algo no mundo real. Uma oposição que não inspira alternativas e um presidente que se acomodou num sistema de mútua-proteção com o primeiro-ministro. Tudo calcificado, fora de fronteiras e que garante a continuação da decadência das últimas décadas. O Velho do Restelo deve estar agora satisfeito. As naus estão aportadas. E não vão sair. 

Mas isto é uma oportunidade para vocês. Como diz o povo: «Em terra de cegos, quem tem olho é Rei». O caminho para a fronteira tem pouca competição. Muitas oportunidades esperam, e poucos se focam nelas. Os meus votos para 2023 é que vocês explorem as vossas fronteiras, expandam os horizontes, cresçam e aprendam nos próximos 12 meses. Em resposta ao Velho do Restelo dizemos: «Os barcos estão seguros no porto, mas não foram feitos para ficarem no porto». Ou como disse Mark Twain: «Throw off the bowlines. Sail away from the safe harbor. Catch the trade winds in your sails. Explore. Dream. Discover».