A burrice política…

Esta grave crise nacional que se assemelha a um pântano político é demonstrativa da crise das instituições, do fechamento partidário em cliques e tribos, que invadiram e ocuparam o Estado e a sua administração.

por Fernando Matos Rodrigues
Antropólogo, CICS.Nova UM/LAHB

«Assim como a suprema beleza, a burrice é indizível (indiscritível)».

(Roland Barthes, 1976: 162)

Há dias em que um Primeiro Ministro não deve ir a despacho nem fazer nomeações para cargos políticos. António Costa, Primeiro Ministro de Portugal já devia ter aprendido a lição, mas pelos vistos ou se esqueceu do mais elementar bom senso da acção política e governativa, ou se deixou “embalar” pela maioria que os portugueses lhe colocaram nos braços.

Um governo com uma maioria parlamentar, não se pode refugiar nos bloqueios da oposição, nas malhas paralisantes das intrigas partidárias e nas agendas eleitoralistas dos partidos que lhe fazem oposição. Um governo com maioria parlamentar, que não se consegue organizar, estruturar e “bem-governar”, só se pode lamentar de si próprio e da sua burrice governativa.

A vida política portuguesa encontra-se numa situação de insustentável leveza, ministros com demissão anunciada, ministros que se demitem e outros que se deviam demitir. Secretárias de estado que não resistem mais do que umas horas no governo. Gente que entra e sai. Gente que se encontra dentro, mas que aguarda pelo tempo de saída. Soam as trombetas da denuncia e da ética republicana. O Primeiro Ministro vem ao terreiro em defesa das suas donzelas, fazendo juras para toda a vida, declarações inflamadas em defesa das suas virtudes e inocências, a oposição aponta a porta de saída desta gente, mas afinal o que se pede é a demissão do «barqueiro» que sem leme e sem tripulação se agarra ao Nosso Senhor de Belém.

Claro que a política nunca foi e nunca será um campo de virtudes nem um reino de figuras angélicas, mas também não podemos tolerar que se faça da prestação política um campo de burrices e de transgressões, em benefício dos próprios ou de outras divindades que estão para além do bem público. O que nos deve incomodar é que por detrás destas enunciadas virtudes e éticas republicanas se escondem interesses que colidem com os valores democráticos de servir o bem público e o povo português.

Esta situação de caos político-governativo, coloca-nos perante uma grave crise constitucional, quando o Primeiro Ministro solicita ao Exm Presidente da República que colabore no escrutínio e seleção dos futuros governantes. Num momento em que se procede a mais uma revisão constitucional, o país assiste em directo a um atropelo grosseiro aos fundamentos da Constituição da República Portuguesa (CRP76).

O repto que o Primeiro Ministro António Costa lança ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, demonstra um absoluto desrespeito pela Constituição Portuguesa, pela independência das Instituições Democráticas, pela sagrada divisão de poderes. Adia a possibilidade do Primeiro Ministro e Presidente Marcelo de caírem no realismo político e abrir a possibilidade de uma alternativa política dentro ou fora da actual maioria parlamentar.

Definitivamente, a incompetência de um Primeiro Ministro em resolver os problemas internos do seu governo. Não ser capaz de escolher e captar para o seu governo cidadãos competentes, independentes e com sentido de ética republicana, não pode em caso algum, ser o leit motiv para viciar o jogo democrático, a alternativa política e desse modo ferir de (in) constitucionalidade o regime democrático português.

Ao proceder deste modo PM e PR em nome da «ética republicana» estão a implementar instrumentos de controle e de policiamento cívico fora da esfera da justiça e do direito, que se transformará a curto prazo numa arma de arremesso contra aqueles que estão à margem do sistema clientelar que se instalou dentro dos diretórios partidários (desde a esfera local à nacional).

Tudo isto não passa de um jogo de retórica política ao serviço da demagogia, da alienação e da manipulação da opinião pública. Esta grave crise nacional que se assemelha a um pântano político é demonstrativa da crise das instituições, do fechamento partidário em cliques e tribos, que invadiram e ocuparam o Estado e a sua administração.

Em suma, é a corja que continua a sangrar o que trabalha e paga impostos, único garante dos direitos constitucionais (Educação, Habitação, Saúde, Justiça, Liberdade e Igualdade).