Brasil: condenar o vandalismo e apostar no futuro

A ligação saudável entre povos irmãos justifica que sejamos mais ambiciosos no estreitar de relações políticas, económicas, sociais e culturais. E não se trata de lirismo. Se não formos nós a fazê-lo, outros o farão por nós, como Lisboa bem sabe no que respeita aos avanços espanhol, turco e chinês em Luanda, nos últimos largos…

por Luís Ferreira Lopes
Ex-Assessor para Empresas e Inovação do Presidente da República e Ex-Editor de Economia da SIC/SIC Notícias

O ataque dos apoiantes do ex-Presidente Bolsonaro aos principais símbolos de poder em Brasília, no dominical dia 8 de janeiro, foi premeditado e inqualificável, mas levanta agora a dúvida sobre o risco de mercado e a sustentabilidade de um regime democrático estável no principal país do Mercosul. Paradoxalmente, para quem gosta de ver o copo meio cheio, 8 de janeiro gera a oportunidade de reforçar a reputação e notoriedade da marca Brasil e tem o efeito de unir boa parte da população brasileira e da comunidade internacional que ainda teria dúvidas sobre o regresso de Lula da Silva à liderança do Brasil, após a tomada de posse no dia 1.

O mundo inteiro conhece o potencial económico do Brasil, da sua imensa população e dos projectos sociais e internacionais que podem agora ter um fomento rápido. Quanto ao espaço da lusofonia (ou dos que em português se expressam oficialmente), é sabido que o Brasil nunca apostou na CPLP e olhou sempre este organismo internacional com alguma desconfiança. Foi assim, desde os anos 90, com presidentes e governos mais à direita (ex: Bolsonaro) e mais à esquerda (ex: Dilma), mas seria inteligente que Lula da Silva desse sinais de que nada há a temer no incremento das relações com Portugal e com os países africanos (e Timor-Leste) que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Também seria positivo e justo que todos os Estados-membros desta organização percebessem que há muito mais a ganhar com uma maior ligação económica, comercial, cultural e de fluxos migratórios no espaço da CPLP, sem fantasmas do passado e percepções erradas.

Lula da Silva entende, pela sua experiência presidencial anterior, que há vantagens no aprofundamento das relações entre os povos brasileiro e português, sem prejuízo de manter a tradição diplomática do Itamarati de forte relação com EUA, França, China, Indonésia e com parceiros das mais diversas geografias. O Brasil é uma potência mundial e é assim que deve continuar a ser percepcionada por Lisboa e as capitais do mundo inteiro, a começar, aliás, pela própria Brasília – ainda decerto traumatizada com a repetição, na Praça dos Três Poderes, do assalto da extrema-direita a Washington há dois anos. Esse foi, aliás, o sinal que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o Ministro dos Negócios Estrangeiros deram na vibrante cerimónia da tomada de posse, uma semana antes do inaceitável assalto ao Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal que resultou que chocou o mundo.

Arrumada a casa e pacificado o país – o que pode demorar e depende dos militares –, o que interessa agora é olhar o futuro do Brasil, de Portugal e da CPLP com confiança e maior pragmatismo, mais que não seja pelo forte fluxo migratório de brasileiros de todas as classes sociais para Portugal, ocorrido nos últimos anos, e também pela diáspora lusitana presente em São Paulo ou no Rio de Janeiro. A ligação saudável entre povos irmãos justifica que sejamos mais ambiciosos no estreitar de relações políticas, económicas, sociais e culturais. E não se trata de lirismo. Se não formos nós a fazê-lo, outros o farão por nós, como Lisboa bem sabe no que respeita aos avanços espanhol, turco e chinês em Luanda, nos últimos largos anos.

Assisti, em 2002, às eleições em que Lula conseguiu, finalmente, conquistar a presidência do Brasil, quando fiz a cobertura jornalística (para a SIC) sobre os inúmeros investimentos e interesses portugueses naquele gigantesco mercado, quando cerca de 10% do PIB lusitano estava exposto ao Brasil (ex: PT, EDP, GES, etc). Conheço bem o Brasil, através de inúmeras viagens de trabalho e em turismo, respeito as suas gentes e espero que jamais se repita o vandalismo injustificável dos símbolos do poder do país que deve a independência ao liberal D. Pedro IV de Portugal. Há lições a tirar para a democracia quanto aos excessos populistas com tiques ditatoriais, venham eles da extrema-direita ou de movimentos de inspiração leninista ou trotskista. E que isso nunca seja possível acontecer em Lisboa.