Dérbi. Cheira bem cheira a Lisboa

Já há uns anos que um Benfica-Sporting (hoje pelas 18h) não se apresentava, à partida, tão desequilibrado. Veremos se o leão ainda ruge.

Dérbi. Cheira bem cheira a Lisboa

Se a derrota do Benfica em Braga era adivinhável – escrevi aqui que estavam criadas todas as condições para que os encarnados sofressem o primeiro desaire da época, tal a ingenuidade que existiu por parte de Roger Schmidt ao acreditar que poderia contar com dois foliões acabados de sair da festarola de campeões do mundo (e com um deles a garantir que iria jogar a Braga e regressaria ao regabofe de Buenos Aires no dia seguinte) e encaixá-los num conjunto que revelava, inevitavelmente, reflexos de uma paragem no campeonato que dominava a seu bel-prazer por via de uma natural descontração – poderia dizer, seguindo os mesmos métodos de dedução (que não pretendem ser os do magnífico Sherlock Holmes) que a vitória dos encarnados no dérbi de domingo na Luz, pelas 18h, também será tão natural como a diferença de qualidade que separa neste momento os dois rivais, assentando que essa diferença é uma das maiores dos últimos dez anos, pelo menos. Dir-me-ão que um Benfica-Sporting, ou um Sporting-Benfica, como quiserem, é jogo de resultado imprevisível, que o equilíbrio é centenário, e que não vale a pena fazer apostas singelo contra dobrado como nos livros do Texas Jack. Aqui estou eu, de braços abertos como um Cristo, disposto a que me preguem nesse madeiro. Mas também para recordar que não é isso que a história nos conta, sobretudo a partir do momento em que os leões se apequenaram de tal forma que de há cinquenta anos até hoje só conseguiram vencer a ninharia de seis campeonatos – 1973-74, 1979-80, 1981-82, 1999-2000, 2001-02, 2020-21 – algo que se aproxima de um média escandalosa de quase um por cada década. Francamente! É de questionar todos os que presidiram o clube numa reunião magna promovida especialmente pela Santa Inquisição, não estivesse esta sido extinta!!! (Já agora, nos últimos dez jogos para o campeonato, 5 vitórias do Benfica e duas do Sporting – onde está o equilíbrio?)

Último fôlego do leão

A 12 pontos de distância do primeiro lugar, o Sporting deixou muito cedo de ser candidato ao título desta época, e está, também a uma distância muito incomodativa do segundo posto, ocupado pelo Braga, com 34 pontos, o que nos deixa com muitas dúvidas se ainda terá capacidade para lutar pela presença até nos play-off da Liga dos Campeões. Repita-se até à exaustão que dérbi é dérbi, ainda por cima o maior de Portugal, que faz soar nos ouvidos a inconfundível voz de Dona Amália Rodrigues: «Um cravo numa água furtada/Cheira bem, cheira a Lisboa/Uma rosa a florir na tapada/Cheira bem, cheira a Lisboa/A fragata que se ergue na proa/A varina que teima em passar/Cheiram bem porque são de Lisboa/Lisboa tem cheiros de flores e de mar». Veremos se é um dérbi que cheire bem, sem a violência ignóbil dos imbecis que teimam em carregar para os estádios as suas mais reles atitudes animalescas. Domingo ao fim da tarde, naquele momento em que Lisboa ainda terá sol mas cheira a Lua, adivinha-se que, apesar das recentes quebras exibicionais, que se prendem sobretudo com uma menor intensidade na conquista da bola e com uma tremenda falta de eficácia à frente da baliza (não foi por acaso que Tengsted e Schelderup foram contratados), seja o Benfica a tomar conta do ritmo da partida e a cair sobre um Sporting que terá feito, no Funchal, na última jornada, um dos seus jogos mais ineptos. Quando todo o futebol ofensivo da equipa passa pelos dois laterais, Nuno Santos e Porro, e a criatividade se resume a alguns lances de Edwards, a atecnia torna-se exasperante.

Talvez a derrota em Braga tenha feito bem ao conjunto de Roger Schmidt. Depois de ter sido apagado de campo na Pedreira, voltou a surgir com uma dinâmica coletiva mais parecida com a que deixou os seus adeptos a babar saliva pelos cantos da boca no início da época. Portimonense e Varzim não foram adversários propriamente poderosos (foi-o o Marítimo?) mas voltou a surgir aquela ideia bastante nítida de que só por intervenção divina os encarnados perderiam qualquer um desses jogos. A qualidade dos jogadores é tão díspar que Ruben Amorim terá de puxar muito pelo bestunto para que os seus lábios ganhem o cheiro de um sorriso.