Davos e Centeno: 1 X 2 nas previsões de 2023

Questiono: será que os blocos económicos estarão por muito tempo mais fechados sobre si próprios, quando cresce a interdependência militar, energética ou alimentar?

Luís Ferreira Lopes 

Ex-Assessor para Empresas e Inovação do Presidente da República e Ex-Editor de Economia da SIC/SIC Notícias

A Conferência de Davos permitiu perceber – mesmo com menos neve e a exuberância doutros tempos – que o economista mais otimista no espaço europeu é Mário Centeno. O governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças partilhou, no início da semana, um cenário menos cinzento do que o traçado pelos especialistas de todo o mundo que se juntam anualmente naquela estância de sky da Suíça para refletir sobre problemas e apontar tendências e soluções para as dores do planeta Terra. O sorridente ex-presidente do Eurogrupo do BCE afirmou que «a economia tem-nos surpreendido (pela positiva) trimestre após trimestre», aludindo a previsões de crescimento no quarto trimestre de 2022, e arriscou que «talvez também sejamos surpreendidos na primeira metade do ano». 

 

Numa mesa-redonda do Fórum Económico Mundial, no dia 17, Mário Centeno recordou os recentes indicadores de um crescimento positivo na Alemanha, no final do ano passado, contra a expectativa de contração da maior parte dos economistas, e destacou o desempenho europeu acima do que se previa logo no início da crise provocada pela guerra na Ucrânia, com agravamento dos preços da energia e de outras matérias-primas e com efeitos na inflação, nas taxas de juro dos bancos centrais e nos empréstimos penalizadores para empresas e famílias. É curiosa esta previsão de Centeno perante o pessimismo (realismo?) dominante e tanta incerteza, em 2023, quanto a variáveis como a duração e o aumento de perigo nuclear da invasão russa à Ucrânia; os efeitos da inflação no consumo e no investimento das famílias e das empresas em todo o mundo; o risco do BCE e da FED continuarem a subir as taxas de referência para travar os preços dos bens essenciais, num nível só visto nos anos 90 do século passado; o risco real de falências em diversos setores da economia, apesar da tão propalada resiliência financeira das empresas, em especial das pequenas e médias em economias abertas e frágeis como a portuguesa; ou a tensão entre Washington e Pequim perante o cenário de enfraquecimento de Moscovo, com Bruxelas assistir, embora agora menos passiva.

 

Não foi por acaso que a organização do Fórum Económico Mundial escolheu, na 53.ª reunião anual, o tema da ‘Cooperação num mundo fragmentado’, quando tantos economistas e especialistas em política internacional refletem sobre o regresso do protecionismo e o eventual fim da globalização, como a conhecemos nas últimas décadas. Sem dúvida que a economia mundial está hoje mais fragmentada, após a pandemia covid-19, a escassez das matérias-primas e o enorme aumento da fatura energética. No caso da Europa, tudo se agravou com a invasão brutal da Rússia contra a vizinha Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, ou seja, há quase um ano. Davos fornece reflexões várias – que encheriam páginas de jornais e revistas e não cabem nestas páginas – sobre a fragmentação, mas também é altura de recuperar o conceito de coopetição entre Estados e entre empresas. Isto é, pode haver uma cooperação virtuosa entre concorrentes, como vários grupos empresariais bem sabem, em especial quando se trata da formação de clusters e de associações complementares de empresas. Claro que este conceito não é fácil de aplicar em Portugal, onde persiste a pulverização ridícula do associativismo setorial e regional e a insustentável dependência de um Estado cuja dívida está cima dos 120% do PIB. Mas isso dará outra crónica.

 

Questiono: será que os blocos económicos estarão por muito tempo mais fechados sobre si próprios, quando cresce a interdependência militar, energética ou alimentar? EUA, Canadá e México têm, hoje, uma boa oportunidade para relançar o bloco NAFTA e sua ligação ao Mercosul e também à União Europeia. Com o apoio da NATO e menor dependência da China, a Europa sentiu o frio do inverno russo e teve de encontrar soluções geopolíticas no Norte de África e África ocidental, em busca de novos fornecedores de energia e de alimentos, assim como terá de procurar novas alianças – além dos EUA e da China – em mercados como o Brasil, a Índia, a Turquia ou o mundo árabe. Enquanto disputa o Pacífico com os EUA, a China decerto aumentará a intensidade do abraço de urso à Rússia, à medida que o regime de Putin for enfraquecendo devido ao esforço da guerra na Ucrânia e à dependência de Pequim na exportação de energia perante o bloqueio europeu. E se a guerra na Ucrânia terminar, este ano, com um acordo que salve as partes envolvidas? E se a taxa de inflação e o preço das commodities acentuar a tendência de descida? Com menor pressão sobre as taxas de juro, teremos recessão, estagflação ou crescimento, mesmo que modesto? E se Centeno, afinal, acertar e tiver razões para sorrir sem cativações? 

 

Breve nota final para elogiar um académico e gestor português que, na Davos lusitana, conclui uma notável missão de oito anos na liderança da Nova SBE. Daniel Traça (e sua equipa) colocou esta faculdade na elite das business schools europeias, triplicou o número de estudantes de mestrados, atraiu estudantes estrangeiros para Carcavelos, apostou em programas de Educação Executiva de excelência e deu continuidade ao sonho de ilustres académicos da UNL. Sucesso para novos desafios!