Chutar a lata para a frente

Atualmente no ocidente há duas principais filosofias quanto à relação entre estado e cidadão: uma mais anglo-saxónica e outra mais centralista.

Por Pedro Ramos. Fundador e CEO da Somar Capital

Nova Iorque, janeiro de 2023

"Ensine impostos ao seu filho: coma metade do gelado dele".

Gelataria de Nova Iorque

"Most bad government has grown out of too much government".

Thomas Jefferson, 3º Presidente dos EUA e escritor da Declaração de Independência

"Government’s view of the economy could be summed up in a few short phrases: if it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops moving, subsidize it".

Ronald Reagan, 40.º Presidente dos EUA

 

Queridas Filhas,

Escrevo para pedir desculpas sobre o pesado fardo que a minha geração vai deixar à vossa. O alto endividamento público que vocês terão de pagar vai diminuir os recursos que têm para cuidar dos menos favorecidos. Vai também reduzir ao mínimo qualquer flexibilidade que a vossa geração tenha de usar dinheiros públicos para apostas estratégicas: construir escolas, estradas, hospitais, aeroportos, novas indústrias e centros de inovação. Mas nem tudo está perdido. Poderão conseguir atrair iniciativa e capitais privados para isso. Mas isso significa uma nova filosofia da relação entre o estado e o setor privado.

Atualmente no ocidente há duas principais filosofias quanto à relação entre estado e cidadão: uma mais anglo-saxónica, cujo expoente maior são os EUA, que desconfia do poder público e põe mais esperança na capacidade de cada um resolver os seus problemas e potenciar a sua prosperidade; e outra mais centralista, liderada pela França, que acredita no poder das elites para gerir do topo os problemas públicos e expandir cada vez mais a sua influência a maiores esferas da sociedade privada e da economia.

Tenho experiência de vida em ambas. Nos EUA, as pessoas sentem que seria humilhante não ser autossuficiente: viver em casa dos pais depois de formado, não saber lavar a própria roupa ou não conseguir fazer pequenas reparações no carro ou em casa; Em Portugal, ficar em casa dos pais é visto como uma forma normal de poupar dinheiro, assim como em se apoiar em familiares e amigos incluindo pedir ajuda financeira aos pais.

Esta diferente filosofia leva também a uma diferente atitude face ao estado. Nos EUA, vê-se o estado como um mal necessário e que deve ser contido no seu crescimento. Desconfia-se da capacidade do estado para resolver problemas para além da defesa, cuidado dos mais desfavorecidos, segurança e assegurar funcionamento das áreas legislativa e judiciária. A memória dos anos 70 continua viva com a sua decadência da vitalidade económica e social. Isto assusta os americanos que preferem contar consigo para resolver os seus problemas. Em França e em Portugal o estado é paternalista. As pessoas olham para o estado para resolver os seus problemas. Isto leva a um crescimento do setor público para responder a todos estes pedidos. Infelizmente uma vez criado um novo posto público, uma nova função, raramente estes são eliminados, mesmo que o problema que os originou não seja mais relevante. Qualquer alteração conduz a greves ou a manifestações públicas como as vistas recentemente em França devido ao aumento de idade da reforma.

Como nada na vida económica é grátis esta expansão continua do setor público absorve cada vez mais recursos. Recursos estes que são confiscados ao setor privado. Assim a pressão fiscal destas sociedades atinge valores muito elevados (Fig. 1). Ao pôr tantos recursos nas mãos de gestores públicos, sociedades como Portugal ou França estão implicitamente a assumir que eles conseguirão melhor gerir a economia do que os privados.

Uma análise empírica aos dados económicos dos anos 80 quer nos EUA quer no Reino Unido em que o peso do setor publico foi reduzido face a década de 70 mostra uma forte aceleração do crescimento económico.

Por contrapartida nas últimas duas décadas em Portugal o crescimento estagnou, o peso do estado na economia aumentou e a divida publica disparou para bem mais de 100% da nossa produção anual. Se o aumento da divida se tivesse dado por investimentos em infraestruturas, economia ou mesmo em capital humano até se poderia defender esta escolha. Mas nada substancial foi construído. A divida foi usada para pagar programas sociais e apaziguar eleitores. A fatura será passada por este governo a gerações futuras: a vossa. Olhando para a quantidade e qualidade dos governantes que passaram nos últimos anos vemos que a principal credencial é a filiação partidária com a missão de ganhar eleitores. Se assim é, porque estamos a tirar dinheiro dos privados que podia ser usado por estes para resolver os seus problemas, para o dar a clientes partidários que obedecem a ideologias partidárias ditadas de gabinetes burocráticos com pouca visibilidade da riqueza e diversidade da nossa sociedade?