Casa onde não há pão…

Reclamam justamente os professores dos inúmeros anos de estagnação nas carreiras, promoções estranguladas por quotas introduzidas para contornar o facilitismo generalizado das avaliações.

1. Em 2018, constituiu-se o S.T.O.P. (Sindicato de Todos os Professores) e explicou logo ao que vinha: lutar pelos direitos dos professores, deixando bem clara a inexistência de intuitos políticos (leia-se, ao serviço dos partidos). No fundo, creio que o sucesso obtido se radica exatamente na transversalidade das suas reivindicações, abrangendo não só os professores, mas toda a comunidade escolar.

Lendo os seus comunicados, percebemos que tem uma abrangência de atuação muito vasta, ao defender ideias que agregam todos os professores, como: (i) as problemáticas salariais, (ii) a estagnação nas carreiras, (iii) a precariedade e (iv) as distantes colocações a centenas de quilómetros de casa e que tanto transtorno causam aos agregados familiares. Adicionalmente, o S.T.O.P. demonstra preocupar-se com o funcionamento escolar, quando não se esquece dos problemas salariais dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos, bem como da sua escassez numérica (limitativo da segurança escolar), ou ainda se preocupa com a insuficiência de outros quadros essenciais para apoio psicossocial, como são os psicólogos.

Não surpreende, assim, o sucesso junto da comunidade escolar e a dimensão das suas manifestações que juntam todas as ideologias em prol das reivindicações (apesar das tentativas de Catarina Martins de colar o Bloco a estes movimentos genuínos). De repente, os sindicatos tradicionais ficaram suplantados pelo S.T.O.P. e o Ministério da Educação, habituado a reuniões com interlocutores e reivindicações conhecidas, revela hesitações e não sabe como atuar. Nos entretantos, a Fenprof (com o PCP) tenta recuperar o terreno perdido, sem sucesso, perante um processo indomável.

Perante este cenário, é facilmente compreensível a preocupação do Governo, profundamente desgastado com tantos ‘casos e casinhos’ a minar a própria credibilidade e que se reflete largamente na perda de votos nas sondagens. Medina, no alto da sua cátedra das Finanças, já veio explicar que não há margem para criar despesa estrutural, ou seja, esqueçam lá os aumentos salariais, até pelos reflexos transversais que desencadeariam no Estado. Justamente por isso, Costa foi taxativo a dizer que não iria ‘mexer no passado’, na reposição dos anos de serviço. Pouca margem fica, assim, para negociar com os representantes de movimentos incontroláveis, porque, sem mexer nos salários, tudo o resto saberá a pouco.

Reclamam justamente os professores dos inúmeros anos de estagnação nas carreiras, com promoções estranguladas por quotas introduzidas para contornar o facilitismo generalizado das avaliações. Sendo indiscutível que, tal como em diversas carreiras profissionais, as avaliações são incontornáveis, até porque deve estar fora de causa um sistema de promoções exclusivamente por antiguidade, chegámos a um ponto em que ninguém sabe como resolver este nó górdio, sobretudo porque voltamos ao cerne da questão, ou seja, os potenciais impactos financeiros que qualquer alteração geraria e que o ministro Medina pura e simplesmente veta.

Por falar em facilitismo, este parece ser uma ‘marca de água’ das políticas de Educação nos últimos 7 anos, sobretudo do atual ministro João Costa, perpassando desde há muito uma imagem de complacência com a falta de exigência escolar e até já se fala na possibilidade da abolição de exames, tudo indiciando um Ministério mais preocupado com as estatísticas europeias do que com a qualidade do ensino. Reter (antes ‘chumbar’) alunos é uma carga de trabalhos (também burocráticos) para os professores, por defeito responsabilizados pela incapacidade da aprendizagem dos seus alunos, qualquer que seja razão, mesmo que se radique na indiferença e/ou falta de estudo ou como reflexo da propalada indisciplina escolar, a mesma de que a sociedade fortemente se queixa.

O tema da precariedade e o das deslocações dos professores que se arrastam desde há anos sem quaisquer soluções talvez sejam os de resolução mais fácil e já ouvimos propostas governamentais neste sentido. Mas tudo o resto, esbarra fatalmente na ‘mão-de-ferro’ das Finanças e na dura realidade de sermos um Estado sobre-endividado.

Por isso, a desorientação do Governo, com propostas avulsas para dar respostas aos movimentos sindicais, em particular do S.T.O.P., discutindo-se já nos corredores do poder a necessidade de cercear o direito à greve. Não sei como tudo isto se vai solucionar perante a relutância dos sindicatos, mas é fundamental que todos percebam que, se a escola pública é essencial, há que ser coerente e tem de se encontrar urgentemente um qualquer ponto intermédio de paz ou este ano escolar está perdido.

2. O sistema proposto por Costa de avaliação dos candidatos a governantes roça o ridículo. Ao fim de quase 49 anos de democracia, surge inopinadamente um questionário que implicitamente reconhece a atual incapacidade de descobrir candidatos a governantes com um cadastro limpo e, pasme-se, Costa consegue dizer isto sem se envergonhar. Que outros o defendam, como Mariana Vieira da Silva ou Ana Abrunhosa, já nada me espanta, mas faz aflição que ninguém pare um pouco para pensar nos atestados de incompetência que passam a si próprios.

A minha estupefação não fica por aqui e prolonga-se pela constatação da dificuldade de a oposição, perante a sucessão de disparates governamentais, ser percecionada como uma alternativa válida. Em particular, o PSD e o seu líder devem refletir sobre as razões, porque se torna confrangedor verificar que, mesmo em circunstâncias excecionais como estas, Montenegro, que anda a ver sombras (como a de Passos Coelho) onde deveria ver apoios, não se consiga afirmar perante o país.

P.S. – Há dias, ouvi António Costa a referir-se aos vencimentos dos altos quadros da TAP como uma inevitabilidade resultante do mercado concorrencial. Não pode ter mais razão, mas é pena que não se lembre que noutros setores, como na Saúde por exemplo, sucede exatamente o mesmo. Os médicos, como os enfermeiros, são facilmente aliciados com melhores salários para trabalhar no setor privado e, se calhar, com menos despesa em tantas consultorias de utilidade duvidosa e menos ‘boys’ a encher gabinetes, muitos com produtividade altamente discutível, se conseguiria pagar melhor a quem objetivamente o merece.