Para quando chamar ao Grupo Wagner uma organização terrorista?

 Oficialmente registado como Companhia Militar Privada Wagner, foi criada a 1 de aio de 2014, em São Petersburgo, com um efetivo de 250 mercenários, para “proteger os russos do genocídio em curso no Dombas”.

Por Henrique Santos, Politólogo

Comissão Europeia anunciou a elaboração do décimo pacote de sanções à Rússia no seguimento da invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro passado. Por muito estranho que pareça, algo faltou nos 9 pacotes anteriores que choca, profundamente, a opinião pública dos países que apoiam o martirizado povo ucraniano. Referimo-nos, obviamente, à forma como o Grupo Wagner tem sido ‘esquecido’ nas sanções anteriores. E, como não acreditamos em tais ‘esquecimentos’, é preocupante a inação da Comissão Europeia.

Para quem for menos familiarizado com este tema, um breve resumo sobre o, eufemisticamente, chamado Grupo Wagner. Oficialmente registado como Companhia Militar Privada Wagner, foi criada a 1 de aio de 2014, em São Petersburgo, com um efetivo de 250 mercenários, para «proteger os russos do genocídio em curso no Dombas». Tem vindo a crescer sucessivamente e atualmente terá mais de 50 mil mercenários! O seu proprietário e mentor, Yevgeny Viktorovich Prigozhin, negou, obstinadamente, até setembro passado a sua ligação, mas a guerra na Ucrânia identificou-o num vídeo a recrutar criminosos comuns nas prisões russas com a promessa de amnistia, patrocinada por Putin, se aceitassem integrar as suas fileiras por seis meses!

Vale a pena recordar um pouco quem é esta sinistra personagem. Nascido a 1 de junho de 1961, com 61 anos, é um dos oligarcas mais próximos de Putin. Começou a sua aproximação ao Kremlim através da sua empresa, Concord Catering, fornecedora habitual dos banquetes aí organizados. Jacques Chirac, George W Bush, a festa de aniversário de Putin em 2003 foram servidos no seu restaurante flutuante New Island. Essa aproximação a Putin valeu-lhe chorudos contratos de fornecimento  de cantinas escolares e messes das forças armadas (só este último era de $US 1,2 biliões de dólares anuais!). Antes disso o seu passado já era pouco recomendado, tendo sido julgado em 1979 por roubo, com pena suspensa, e cumprido pena de prisão efetiva de 1981 a 1990 por roubo, fraude e organização duma rede de prostituição de menores!

Desde o seu início, o Grupo Wagner ficou conhecido pela violência e crueldade das suas ações, particularmente nos Oblasts rebeldes de Donetsk e de Luhansk, que valeram a Prigozhin ser agraciado como Herói dessas duas ‘Repúblicas’, e também Herói da Federação Russa. Depois da’paz podre’ no leste da Ucrânia, o Grupo Wagner passou a ser o emissário russo quando o Kremlim não queria aparecer, oficialmente,em conflitos em África (a lista é longa: África do Sul, Angola, Camarões, Chade, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Madagascar, Mali, Moçambique, Nigéria, Quénia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Senegal, Sudão, Sudão do Sul, Zâmbia e Zimbabué), ou no Irão e Síria, na América Latina (Venezuela e Nicarágua) ou em países Árabes.No início da campanha da Ucrânia, a sua macabra função na frente de combate era fuzilar os desertores das fileiras russas ou os que recusavam combater!

Os sucessivos fracassos do Exército ‘Vermelho’ na Ucrânia, fez com que Prigozhin começasse a criticar abertamente não só as Chefias Militares russas (em Moscovo dizem ter sido ele a impôr a Putin as alterações que ocorreram nessas Chefias), como os Deputados da Duma, em particular os da maioria do Partido de Putin («esses inúteis que venham combater!»). Tais críticas exasperaram o Exército regular russo, principalmente quando Prigozhin disse alto e em bom som que tinha sido o Grupo Wagner, e não eles, que tinham conquistado Soledar e avançavam sobre Bakhmut (o que aparentemente é verdade!). Ousar atacar, publicamente, as Forças Armadas russas e o seu Comandante Supremo Vladimir Putin é algo nunca visto até aqui, e não ficaremos surpreendidos se nos próximos dias ou semanas formos confrontados com a notícia da morte de Prigozhin num ‘acidente’ (aéreo, de viatura, queda duma janela, suicídio, envenenamento…)!

O sentimento de impunidade é tal que Prigozhin vangloria-se de ter interferido nas eleições americanas de 2016 e 2018 e no referendo do Brexit, assumindo que continuará a fazê-lo através de 3 empresas suas, entre as quais a Internet Research Agency. Num estilo muito americano, o FBI oferece $US 250.000 para quem der informações que levem à sua prisão!

Desde 2014 que Prigozhin está na lista das sanções da União Europeia e dos USA, e o ano passado, quer a sua mulher Lyubova Valentinovna, sua mãe Violetta e seus filhos Polina e Pavel integram a lista de sanções daqueles países, bem como da Austrália, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido, Suiça e, claro, da Ucrânia. Uma família ‘encantadora’!

Este resumido ‘cartão de visita’ é, como diziamos no princípio, para perguntar para quando a União Europeia integra o Grupo Wagner na sua lista de Organizações Terroristas? Apenas um Estado-Membro, a Estónia, já o fez! Claro que mesmo na nossa Comunicação Social vemos e ouvimos alguns comentadores que tentam ‘dourar’ a sua imagem, jamais usando o termo ‘mercenário’ (que reservam para o Grupo Mozart ou outros pró-Ucrânia). Até onde terão que chegar as atrocidades, violações, execuções sumárias e outros atos de vandalismo que envergonham a humanidade?