O forno, o congelador e a máquina de secar

Depois de meia hora no forno, o cozinhado não estava pronto nem nada que se parecesse: os livros continuavam ensopados, apenas um pouco mais quentes.

À primeira não percebi a pergunta. «Estás com fome?». Tínhamos acabado de jantar e as circunstâncias não eram de molde a deixar-me com grande apetite, pelo contrário. Só depois atingi que a pergunta não era afinal uma pergunta, mas sim uma piada. O forno estava ligado a preparar um cozinhado especial…

Passo a explicar: pouco antes da hora de jantar, havíamo-nos dado conta de que uma caixa com livros tinha apanhado água. Comi à pressa e preocupado. Só depois fui avaliar os estragos. Após refletir um pouco, concluí que podia tentar pôr os livros no forno, que até estava ainda quente do arroz de pato. Assim fiz: liguei o forno nos 100 graus, para não ser demasiado forte e, pormenor importante, com a ventoinha ligada.

Só que meia hora depois o cozinhado não estava pronto nem nada que se parecesse. Os livros estavam apenas um pouco mais quentes, mas continuavam ensopados.

 

Fazendo uma pesquisa rápida pela internet, descobri algo extraordinário: segundo os especialistas, não os devia ter posto no forno, mas sim no congelador! As instruções eram claras: colocar o livro no congelador, onde não ganha bolor; depois tirá-lo quando der jeito e, com um pano seco, secar página a página. Em seguida abre-se o livro de frente para uma ventoinha, que completa o trabalho de secagem. Deixa-se então o livro debaixo de um valente peso um dia ou dois, para não ficar arqueado. E, finalmente, borrifa-se com água em spray. Parece estranho, depois de tanto trabalho, que se deite de novo água para o livro, mas este passo é fundamental para que o papel recupere a elasticidade.

Só que, logo para começar, as gavetas do meu congelador já estavam cheias com sopa, almôndegas, couves de bruxelas e medalhões de pescada. Não era fácil encontrar espaço para mais um pacote de ervilhas, quanto mais para meia dúzia de volumes grossos, ainda por cima inchados com água.

 

O forno claramente não tinha resultado – e o congelador não era uma hipótese viável. Ainda me passou pela cabeça experimentar a máquina de secar roupa. Talvez envolvendo cada livro num pano… mas achei que o papel podia desfazer-se e estragar a máquina – e a despesa seria ainda muito maior. Mais valia estar quieto, por isso fui dormir.

No dia seguinte, pus os livros à lareira. Secaram mais um pouco e ficaram sujos de cinza. Ao terceiro dia, deixei-os abertos ao ar livre, num sítio protegido da chuva, mas não adiantou. A atmosfera continuava demasiado húmida. Ao quarto dia, vieram finalmente uns raios de sol. E, mais de uma semana depois, ainda andamos a tropeçar nos livros espalhados pelo quarto, que eu vou mudando de lugar consoante bate o sol.

Aos poucos a humidade lá vai desaparecendo. Mas é ao vê-los assim, decaídos, desgrenhados, com as páginas ondulantes e engelhadas, que me apercebo da arquitetura perfeita de um livro novo – um bloco compacto, minimalista, de linhas imaculadas. E ocorre-me uma frase, creio que de Umberto Eco: «O livro é como uma colher, tesouras, um martelo, a roda. Uma vez inventado, não pode ser melhorado». Ou pode? Quanto mais penso nisso, mais me convenço que não era nada mal visto um dia descobrirem um papel à prova de água.