Polémica sobre custos das Jornadas abafa casos no Governo

Do altar-palco no Parque das Nações a um segundo altar no Parque Eduardo VII ou às luzes e som, a discussão envolveu Presidente, Patriarcado, Governo, Câmaras e Organização da Jornada Mundial da Juventude, um evento gigantesco com custos e retorno de muitos milhões. 

Um palco-altar, torres técnicas e uma discussão sem fim à vista – num evento que será o maior de sempre em Portugal – é o prato diário servido aos portugueses. Quem gastou mais e como foi possível permitir tais gastos, é outra das discussões em cima da mesa. Comecemos pelo princípio da polémica. A comunicação social deu conta de que o palco-altar onde o Papa fará a sua missa durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) custa mais de quatro milhões de euros, sem IVA, embora esse saia por uma porta do Estado e entre por outra, e foi o suficiente para se acabar com todas as polémicas que atormentavam o Governo. Escândalos financeiros que envolvem ex e atuais governantes e uma companhia aérea que mal levanta as asas do chão desapareceram do radar noticioso. Pelo menos é esta a leitura que fazem alguns dos intervenientes no processo, uns políticos, outros nem tanto. E a explicação para esta leitura é simples: se o palco-altar que a Câmara de Lisboa vai pagar anda na casa dos 4/5 milhões, e será reaproveitado no futuro, o que dizer dos mais de seis milhões que o Governo vai pagar com as torres técnicas, que incorporam os geradores e de onde saem o som, a luz e as imagens do palco-altar do Trancão, e que são apenas alugadas?

Para situar melhor a polémica, diga-se que quando Portugal ganhou a organização da Jornada Mundial da Juventude se andou um pouco aos papéis até saber quem pagava o quê. Isto apesar do Governo ter inscrito no Orçamento do Estado uma verba à volta dos 36 milhões para o efeito, e Carlos Moedas, quando assumiu a autarquia, ter esclarecido que a Câmara não iria investir mais do que 35 milhões de euros, isto apesar de o executivo anterior ter dado a entender – embora sem existir algum documento oficial – que a Câmara de Lisboa se responsabilizaria por todos os custos. «Quando Carlos Moedas colocou os pontos nos is, a oposição da câmara até lançou a insinuação de que estava contra o Papa e que não queria colaborar na JMJ», diz ao Nascer do SOL fonte da autarquia.

A história dos custos do palco-altar ganhou outra dimensão quando José Sá Fernandes, o representante do Governo na comissão organizadora do evento, disse à SIC-Notícias que não entendia a razão para não se ter aprovado os dois palco-atares apresentados anteriormente e que eram bastante mais baratos, em cerca de 50%. «É uma história sem pés nem cabeça, essa afirmação de Sá Fernandes. O primeiro projeto que apresentou não passava de um palco feito com contentores e a segunda proposta também não fazia sentido algum. Quando ficou decidido que a JMJ se realizaria em Lisboa, é óbvio que a Igreja, através do_Vaticano, tenha feito algumas exigências, à semelhança, por exemplo, da UEFA em relação ao Euro-2004. Se queremos organizar um evento que nunca aconteceu em Portugal – digam-me onde é que já estiveram mais de um milhão de estrangeiros durante uma semana em Portugal – temos de o aproveitar para promover o país. Muitos destes jovens e das respetivas famílias acabarão por voltar no futuro e não podemos dar uma imagem de má organização ao mundo. Temos de ser eficazes a ‘vender’ a imagem do país», acrescenta outra fonte ligada à organização da JMJ.

Depois foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa entrar em ação e agitar ainda mais as águas (ver caixa), usando uma tática de treinador de bancada, na opinião de um dos organizadores do evento. «Seria muito estranho um Papa que quer dar uma imagem de pobreza, austeridade e contra o espavento viesse a não ter um acolhimento correspondente ao que é o seu pensamento», disse em público o Presidente da República.

Marcelo quer que os custos sejam revistos e que exista contenção, mas esquece-se, segundo a mesma fonte da organização, do que foi publicado em Diário da República, a 28 de outubro de 2022! «As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) têm sido caracterizadas por uma enorme participação, reunindo milhões de pessoas oriundas de todo o mundo. Assim sucedeu nas JMJ de Manila, que contaram com 4 milhões de peregrinos, nas JMJ do Rio de Janeiro, em que participaram 3,7 milhões de peregrinos, e nas JMJ de Madrid, que contaram com 2 milhões de peregrinos (…) As JMJ constituem, pois, um dos eventos mais participados a nível mundial, com inegáveis impactos positivos nos planos económico, social e promocional dos países anfitriões (…) O acolhimento daquele que previsivelmente será o maior evento alguma vez realizado em Portugal importa a assunção de diversas responsabilidades e compromissos por parte do poder central e local (…) A diversidade e a complexidade, bem como a natureza e a dimensão das ações a desenvolver no âmbito da preparação da JMJ 2023, motivou a constituição do referido grupo de projeto – inicialmente na dependência do Primeiro-Ministro e, posteriormente, da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares – para assegurar o acompanhamento, em termos operacionais, dos trabalhos de preparação deste evento».

Tudo muito claro, como manda a tradição do Diário da República, onde o Governo dizia mais: «No âmbito da articulação em curso entre as diversas entidades envolvidas no evento JMJ 2023 (Fundação JMJ Lisboa 2023, poder central e poder local) verifica-se a necessidade de intervenção do Estado, designadamente nos planos da saúde, da segurança e da mobilidade, bem como na organização dos eventos ‘Centro de reconciliação’ e ‘Feira das vocações’ e, bem assim, na distribuição de água, na contratação de bens e serviços multimédia, instalações sanitárias para o recinto central e ainda na aquisição de outros equipamentos». Atendendo a que se tinha perdido muito tempo sem nada ser feito por parte do Governo central e das autarquias, o Executivo de António Costa reconhecia que «as dificuldades logísticas decorrentes da magnitude e complexidade do evento e o tempo disponível face à data da sua realização determinam a urgência de todos os procedimentos e diligências a desenvolver com vista a assegurar a sua regular concretização».

E desde essa data que o Governo nomeou José Sá Fernandes como seu representante, tendo inclusivamente uma equipa de oito pessoas que só terminarão o seu mandato a 31 de dezembro de 2024. Para que não lhe falte nada e possam averiguar tudo, muito para além do fim da JMJ, a equipa de José Sá Fernandes foi colocada num armazém que sofreu grandes obras de remodelação, ao contrário da sede da Fundação da JMJ, que também funciona nas instalações da antiga Manutenção Militar de Lisboa, no Beato.

Recorde a entrevista a Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ 2023. Primeira parte e segunda parte.