Afonso XIII o rei do futebol

Foi o último a abandonar o trono depois da chegada da ditadura. Por causa da sua paixão pelo jogo tantas equipas têm o epíteto de Real.

Afonso XIII. Ou, por extenso, Alfonso León Fernando María Jaime Isidro Pascual Antonio de Borbón y Habsburgo-Lorena. Catita! Deve dar um jeitão para preencher um papel de vinte-cinco linhas numa qualquer repartição de Finanças, se é que ainda há disso. Calhou-lhe ser rei. Com a mania de que era teso. Muitos deram-lhe o cognome de ‘O Africano’ mas, a História marca-o, infelizmente, graças a uma espúria intimidade com a Alemanha dos kaisers que meteu, em 1906, já as alianças políticas fervilhavam na Europa, um casamento com Victoria Eugenie de Battenberg, morganático, é bom sublinhá-lo mas, no entanto, capaz de dividir a opinião geral dos seus súbditos.

Em Espanha, há muitos que o chamam ainda de Rey del Futbol. Mas aqui foi mais uma questão de cronologia do que de de devoção, embora o nosso 13.º Afonso se tenha deixado apaixonar pelo nobre desporto bretão de uma forma que poucos esperariam. Facto fundamental: foi na fase da sua regência que os os ingleses espalhados por toda a Espanha, desde o País Basco, as Astúrias e a Corunha, por via da pesca comum no Golfo de Biscaia, e os que se instalaram na Catalunha para implantarem os cabos telefónicos e organizarem os caminhos-de-ferro, começaram a fazer do futebol um festival capaz de combater com as touradas, ombro a ombro, pouco importando sol ou sombra, como diria o meu querido Fernando Tordo.

Não há nenhum país do mundo (enfim, digo eu, que não vou em apostas) com tantos clubes chamados Real como em Espanha, e convenhamos que não se trata da única monarquia deste planeta redondo e apenas ligeiramente achatado nos polos. Real Madrid, Real Deportivo La Coruña, Real Sociedad, Real Club Celta de Vigo, Real Club Deportivo Espanyol, Real Betis, Real Club Deportivo Mallorca, Real Valladolid, Real Zaragoza, Real Sporting de Gijón, Real Racing Club de Santander, Real Club Recreativo de Huelva, Real Unión de Tenerife, Real Murcia, Real Oviedo, Real Sociedad. Ufa! É de enjoar um bando de abutres, Claro que, arreigado ao seu orgulho regionalista, o Barcelona nunca se sujeitaria a ser Real. E é aqui que a porca torce o rabo, se a expressão me é permitida, e pelos visto é, se os senhores me estão a ler. Se não fosse teria ido parar à cesta secção, como dizia o Carlos Pinhão.

 

Não é Real quem quer

O nosso bom Afonso podia ser um pândego de belíssima estirpe, mas a verdade é que os clubes de Espanha trataram de usar e abusar da sua boa vontade e da forma como se deixou encantar por um jogo que lhe abriu a boca de surpresa e o deixou a escorrer uma baba bovina pelas gengivas. Se outra comparação não encontro, vou à das peneiras. Isto é, de um momento para o outro os dirigentes de muitos clubes do país resolveram dobrar a cerviz até que a testa quase tocasse o chão para obterem uma espécie de comenda: ganhavam o direito de usar o toque requintado de Real – que seria do Madrid FC sem o Real que traz no peito, sobre o coração? –, e podiam encaixar uma coroa no topo do emblema. Afonso XVIII achou que era um gesto majestoso. Mas, como era de calcular, não era Real quem queria. Não bastava pedir com jeitinho ao Afonso que lhes oferecesse essa realidade real. Seria de uma bandalheira que nem um rei autêntico, daqueles que são monárquicos, poderia suportar. Então estabeleceram-se alguns pressupostos para a tal declaração real não ser uma reinadia: fazia-se uma requisição à Casa Real, explicando a história da instituição e demonstrando a hombridade de todos os que a tinham representado. Segundo o que se pode consultar no Archivo General de Palacio, regista-se: «El expediente más antiguo de aceptación del título de Real data de 1908 y tiene como protagonistas a dos clubes coruñeses, el Club Deportivo de la Sala Calvet y la Sociedad Deportiva Club Coruña, germen de lo que actualmente conocemos como Real Club Deportivo de la Coruña. Así, en 1909 el Deportivo de la Coruña fue el primer equipo al que el Rey le concedió el título Real. Alfonso XIII recibió la solicitud del club y aceptó ser el presidente honorario. E, assim sendo, o Deportivo da corunha ficou com o orgulhoso título de ser o primeiro Real. Já aquele que conhecemos simplesmente por Real (o de Madrid) teve de esperar 18 anos após a sua fundação para receber o papelinho da Casa Real: «Su Majestad el Rey se ha servido conceder con la mayor complacencia el Título de ‘Real’ a ese Club de Football, del que V. es digno presidente, el cual, en lo sucesivo, podrá anteponerse a su denominación». Pode ter vindo tarde, mas mais real nunca houve.