Financiamento público de eventos privados

Realmente, quando nos deparamos com quase cinco milhões para a construção de um palco para servir para dois dias parece-nos um exagero! Bom, mas depois parece que não é para dois dias, mas que afinal vai servir a cidade de Lisboa nos próximos tempos para eventos futuros! Em todo o caso, é muito dinheiro… muitíssimo…

Eu, sinceramente, não tenho falado muito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), mas a revelação dos custos da empreitada para a construção do Palco para o encontro final com os jovens leva-me a dar uma palavra.

Um dos padres que me formou, que é hoje um proeminente bispo, costumava dizer: «Onde entra o dinheiro, sai o Espírito». Isto tenho verificado ao longo da minha vida de padre: sempre que me meti em coisas que envolvem dinheiro, sempre acabei por perder o Espírito que me conduz a mim e à Igreja. 

Isto está claro e explicito no Evangelho no episódio de Judas quando uma mulher gasta um perfume muito caro, feito de nardo, para o colocar sobre os seus pés e enxugando-os com os cabelos. Judas Iscariotes disse: «Por que não se vendeu este perfume por trezentas moedas para distribuir pelos pobres?» (Jo 12, 6). 

Na realidade, Jesus tinha toda a razão… Para quê gastar dinheiro com perfumes para ungir os pés de Jesus? Para quê? Não seria melhor dar aos pobres? Realmente, podemos todos pensar assim: para quê gastar dinheiro em arte? Para quê investir na beleza? Para quê desperdiçar o dinheiro em cultura? Não seria melhor que o Governo, em vez de construir um novo Museu de Arte Contemporânea, desse o dinheiro aos pobres?

Realmente, quando nos deparamos com quase cinco milhões para a construção de um palco para servir para dois dias parece-nos um exagero! Bom, mas depois parece que não é para dois dias, mas que afinal vai servir a cidade de Lisboa nos próximos tempos para eventos futuros! Em todo o caso, é muito dinheiro… muitíssimo mesmo…

Fui ver quanto é que, no ano passado (2022), a Câmara Municipal de Lisboa gastou só para a realização da Web Summit e encontrei a seguinte notícia: «A Câmara de Lisboa vai atribuir de 6,3 milhões de euros à Associação de Turismo de Lisboa (ATL) para a realização da próxima edição da conferência Web Summit, que decorre de 1 a 4 de novembro». Quantos participantes? Cerca de cinquenta mil…

Não quero estar aqui a justificar o investimento feito pelas entidades públicas para recebermos em Portugal um evento que envolve milhões de pessoas. Digo milhões, porque não são só os jovens que virão para as jornadas que serão envolvidos, mas os milhões de voluntários portugueses e famílias que hão de abrir as portas para acolher os jovens durante aquela semana. 

Vou voltar ao Evangelho de São João que conta o episódio da mulher que perfuma os pés de Jesus e onde Judas demonstrou a sua enorme caridade para com os pobres. Sabem o que diz o Evangelho como comentário? Vou transcrever: «Judas não disse aquilo por ter amor aos pobres, mas porque era ladrão. Era ele que tinha a bolsa do dinheiro e roubava do que lá se metia».

Não vale a pena explicar o que vai acontecer durante as semanas da Jornadas Mundiais da Juventude. Ninguém vai querer saber… O que importa é o dinheiro… 

Na semana passada o Papa Francisco pediu às famílias portuguesas que abram a sua casa para receberem os jovens das diferentes culturas do mundo e o vídeo mereceu uma breve notícia com um minuto. Em contraste, o dinheiro gasto pela Câmara Municipal de Lisboa já fez correr muita tinta e muitas falas.

Eu, por minha parte, posso dizer que vale a pena participar e estar atento a este acontecimento tão maravilhoso. Digo-o porque já participei nas Jornadas Mundiais de Paris (1997), Roma (2000), Toronto (2002), Colónia (2005), Madrid, (2011), Cracóvia (2016). Tenho um grande curriculum em JMJ. Garanto-vos que sou muito crítico de muitas coisas, mas se voltei a participar em todas elas, é porque são, de fato, um dos acontecimentos que mais transforma a vida das cidades.