Quando a tecnologia tramou Mega Ferreira

Mas nem todos tiveram a mesma boa experiência que o nosso Prémio Nobel, António Mega Ferreira, que recentemente nos deixou, longe de desfrutar das suas bondades da nova máquina, o que sim sofreu foi um autêntico calvário.

Por Manuel Pereira Ramos, jornalista

O aparecimento de qualquer nova tecnologia deve servir, supostamente, para o progresso da sociedade, para uma melhoria do nível intelectual das pessoas que ficam tendo à mão a um instrumento que lhes permite aumentar, nos mais diversos campos, os seus conhecimentos. Mas nem sempre isso sucede, por erros na sua conceção ou pelo mau uso que delas se possam fazer, bem pode acontecer que as novidades tecnológicas em vez de virem facilitar a vida de quem as usem o que podem chegar a fazer, certamente sem intenção. é todo o contrário.

Por alturas do final da década dos oitenta e inicio da dos  anos noventa do século passado apareceu no mercado, como coisa nova, um aparelho chamado Philips Vídeo Writer, em realidade era mais que uma máquina de escrever sem chegar ainda a ser um computador, tinha a forma parecida à de um micro-ondas em que no sitio da porta havia um écran no que se podia visualizar o que, através dum teclado separado se ia escrevendo, servia, pois, para o tratamento de textos que podiam ser guardados e depois impressos em papel quando se desejasse. Dentro da sua simplicidade e como precursor do que viria depois, este PVW teve, enquanto existiu, um certo êxito entre os escritores, José Saramago foi um dos que mais o utilizou para, através dele, dar à luz algumas das suas grandes obras literárias.

Mas nem todos tiveram a mesma boa experiência que o nosso Prémio Nobel, António Mega Ferreira, que recentemente nos deixou, longe de desfrutar das suas bondades da nova máquina, o que sim sofreu foi um autêntico calvário. Nela escreveu um dos seus primeiros livros, ia dando na tecla ‘save’ para ter a certeza de que tudo estava em ordem e a salvo até que quando quis recuperar o que tinha escrito para fazer a entrega ao editor, se encontrou com a nada agradável surpresa de que tudo estava em branco, as dezenas de páginas que deviam formar parte do livro não existiam, tinham desaparecido sem deixar rasto duma só palavra que fosse. Para o escritor o impacto foi terrível ao constatar como tinham ficado em nada horas e horas de intenso trabalho, era como ter perdido um filho antes de ter nascido, sem se poder conformar com o que para ele era uma autêntica tragédia, pediu ajuda à empresa fabricante, dentro desta o caso chegou ao mais alto nível de direção  donde saíram ordens para que se empregassem todos os meios técnicos necessários  para abordar um problema que tinha de ser resolvido, não só para bem do prestigio da marca e do produto como também porque o prejudicado, além de ser um conhecido intelectual português, estava designado nada menos que como Comissário da Expo-98, um evento onde a multinacional neerlandesa, como muitas outras, considerava como sendo uma boa oportunidade de fazer negócio.

O aparelho em questão foi enviado para os laboratórios da fábrica onde tinha sido construído, os melhores especialistas dedicaram muito do seu tempo e saber á procura da solução mas de nada serviu o esforço, tudo foi em vão, nada foi possível recuperar e o único que se pôde fazer foi procurar consolar o lesado com boas palavras. Mas aí não terminou o infortúnio com que, neste caso, Mega Ferreira se viu perseguido. Consciente de que a famosa máquina não lhe iria devolver nunca o que a ela tinha confiado, decidiu regressar aos meios tradicionais e usar o papel e a caneta para voltar a dar vida ao livro desaparecido. Tudo ia bem até que um dia ele estacionou o carro à porta da casa dum familiar, como eram só uns minutos para entrar e sair não se preocupou em fechá-lo, uma imprudência que os ladrões que andavam por ali aproveitaram para roubar o veículo levando com ele, no assento de trás, as muitas páginas manuscritas que o autor, no cúmulo da má sorte, voltou a perder.  

Se a tecnologia lhe causou um enorme desgosto também noutro o ajudou a solucionar uma situação embaraçosa.

Como comissário da Expo, Mega Ferreira foi convidado pelo Fórum dos Portugueses a ir a Madrid assistir a um jantar onde ele seria o convidado de honra como já tinha sucedido com muitas outras personalidades como Mário Soares, Adriano Moreira ou Marcelo de Sousa antes de ser Presidente da República. A caminho do local do evento recebo um telefonema seu anunciando que tinha perdido o avião e que lhe era impossível estar presente, uma péssima notícia que haveria que dar às muitas dezenas de pessoas que enchiam a sala e que o esperavam para o ouvir. Graças ao Gonçalo Duarte Silva, diretor do hotel, conseguimos encontrar uma solução: ainda não havia os vídeos conferencias mas através do telefone e com um bom sistema de som foi possível ouvir o discurso do Comissário e manter com ele uma mais que interessante troca de impressões. Na história de um homem que na vida fez de tudo, têm que haver, forçosamente, episódios de toda a espécie, estes relacionados com a tecnologia são só uma pequena achega e uma modesta mas sincera e merecida homenagem à sua memória.