Chamar marxismo cultural é redutor

Se a agenda da destruição da Família, da Educação, do respeito pela Vida Humana e da Nação, tem tanto terreno fértil no liberalismo como no marxismo, ou seja, na Esquerda e em parte significativa da Direita, então, o movimento conservador terá um problema complexo para resolver no futuro. 

por José Maria Matias
Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa

Desde a queda do Muro de Berlim, com o fim da União Soviética e a derrota do comunismo, existia um consentimento tácito entre a Esquerda e a Direita. Se a Direita determinava as doutrinas económicas, a Esquerda determinava a agenda cultural. Se a Direita ocupava o espaço empresarial, a Esquerda ocupava a universidade, o teatro e o cinema. A Esquerda ainda hoje não consegue reconhecer os principais crimes da Rússia soviética, mas sabe que as suas doutrinas económicas falharam. A Direita não entendeu que se o marxismo falhou na concretização de uma sociedade sem classes através da economia, pode estar a tentar novamente através da Cultura. Mas poderá ser mais complexo do que isso.

O consentimento tácito terminou de forma abrupta por diversos fatores e percebeu-se o mais importante: a Esquerda e a Direita falam hoje línguas totalmente opostas. Têm conceitos diferentes sobre a Vida Humana, Família, Casamento, Estado, Liberdade e Educação. Ou por outra, a Esquerda não consegue definir nenhum destes conceitos. Não consegue definir o princípio e o fim da Vida Humana, o pseudo direito ao aborto não lhe permite definir o princípio, o pseudo direito à eutanásia não lhe deixa compreender o fim e não consegue definir o que é um sofrimento insuportável. Não consegue definir Família porque é um conceito tão fluído quanto aquilo que o indivíduo quiser. Não quer que o Estado interfira no conceito de casamento, mas quer que este seja suficientemente flexível para encaixar tantas noções quanto sensibilidades possam existir. Não consegue definir Liberdade a partir do momento em que esta interfira no avanço das suas agendas, como no caso da aprovação do relatório Matic no Parlamento Europeu. Um documento que sugeria restringir a objeção de consciência dos médicos na realização do aborto. Ou no, cada vez mais, asfixiante dilema entre a defesa dos direitos das mulheres e a ideologia de género. Como é que se pode defender direitos das mulheres, se hoje nem sequer conseguem definir o que é uma Mulher. Não sabe o que é Educação, na medida em que a confunde, propositadamente ou não, com a doutrinação das novas gerações e aqui levou com o que não contava: com a revolta das famílias. Este poderá ter sido o ponto de inflexão nos EUA, Brasil e Espanha.

A deriva relativista tomada pela Esquerda tem sido comummente designada como marxismo cultural. No entanto, em 2014, Orbán introduzia uma nova variável, chamando a atenção para a perigosa relação da agenda fraturante com o liberalismo económico. Orbán complicava a noção de Esquerda e Direita em muitas democracias europeias, incluindo a nossa. Aliás, recentemente, no Congresso da IL, percebe-se que a essa relação, poderemos designar como o ‘liberalismo em toda a linha’. A conjugação do liberalismo económico com o liberalismo social.

Se a agenda da destruição da Família, da Educação, do respeito pela Vida Humana e da Nação, tem tanto terreno fértil no liberalismo como no marxismo, ou seja, na Esquerda e em parte significativa da Direita, então, o movimento conservador terá um problema complexo para resolver no futuro. Grande parte do Centro-Direita e da Direita identifica-se como liberal na economia e conservadora nos costumes. O que farão caso cheguem à conclusão que o liberalismo económico poderá colocar em causa a preservação dos costumes? É uma dúvida que tenho. Os conservadores portugueses terão muitas dificuldades em vencer eleições, no entanto, poderão começar por ver que a expressão marxismo cultural será manifestamente redutora para a transversalidade da agenda em questão.