A crise da habitação em Portugal

O Governo nunca adoptará a única medida que pode aumentar a oferta de habitação em Portugal, que é a liberalização do arrendamento.

Segundo dados recentes do Imovirtual recentemente publicados, o valor médio de renda de imóveis fixou-se em Janeiro em € 1445, aumentando 38,1% em termos homólogos em relação a Janeiro do ano passado, enquanto que o valor de venda apenas subiu em média 7,8%. O facto de existir uma disparidade tão grande na subida dos preços no arrendamento de imóveis em relação ao que sucede com a sua venda tem apenas uma explicação: hoje em dia não existe qualquer confiança dos proprietários no enquadramento legal do arrendamento, fruto das medidas absolutamente desastrosas que foram e continuam a ser sistematicamente aplicadas no sector.

Portugal viveu desde 1910 num regime de congelamento de rendas, em que um proprietário, se arrendasse um imóvel, nunca poderia terminar o contrato em vida do inquilino ou dos seus descendentes, nem sequer podendo nesse período aumentar a renda, por muita inflação que se verificasse. O resultado foi que ninguém mais quis celebrar contratos de arrendamento. Por isso, no período do gonçalvismo, vários senhorios foram obrigados pelas câmaras municipais a celebrar à força contratos com inquilinos que nem sequer conheciam, muitos dos quais continuam ainda hoje a ocupar essas casas. Em consequência, os prédios degradaram-se e a habitação nos centros urbanos tornou-se uma miragem.

Esse regime de congelamento de rendas só começou a ser atenuado em 1985 com a permissão de actualizar a renda com base na inflação, passando em 1990 o legislador a permitir a celebração de contratos de arrendamento de duração efectiva. Estas medidas tímidas não tiveram, porém, grande eficácia no mercado de arrendamento, que continuou em grande parte bloqueado, devido ao enorme trauma dos proprietários com o congelamento das rendas nos contratos antigos. Apenas em 2012, por imposição da troika, foi finalmente efectuada uma reforma séria da lei do arrendamento, que liberalizou o prazo dos contratos e pretendeu pôr um termo aos contratos antigos, que se mantinham sem alterações há décadas. Essa reforma teve um efeito muito positivo no mercado de arrendamento, devolvendo a confiança aos proprietários e permitindo, pela primeira vez que aumentasse a oferta de casas para arrendar e que as rendas baixassem em Portugal.

Estas melhorias foram, no entanto, sol de pouca dura, uma vez que, a partir de 2015, com o governo da ‘geringonça’, foi destruído em poucas semanas o que tinha levado três décadas a conseguir. Começou-se com o lançamento de um imposto absurdo sobre os prédios de habitação, o imposto Mortágua, que desincentiva os proprietários de adquirir imóveis para esse fim. Depois continuou-se com alterações ao arrendamento em 2019, que dilataram os prazos dos contratos e retiraram direitos aos proprietários, levando-os a considerar o regime legal não atractivo. Finalmente, em 2022 a subida das rendas foi limitada a 2%, apesar de a inflação ser muito superior, quebrando-se assim um princípio de actualização das rendas que vigorava desde 1985. Ao mesmo tempo limitaram-se as fianças a duas rendas, retirando assim aos proprietários até a garantia de que a renda que contratam venha alguma vez a ser paga.

É assim evidente que a política que foi adoptada desde 2015 é a única responsável pela enorme crise da habitação em Portugal. Mas a verdade é que, por razões ideológicas, o Governo nunca adoptará a única medida que pode aumentar a oferta de habitação em Portugal, que é a liberalização do arrendamento. Por isso a insistência é em medidas sem qualquer eficácia para devolver confiança aos proprietários, como a oferta de benefícios fiscais, quando não há sequer garantia de que as rendas sejam pagas ou de que a casa seja devolvida no fim do contrato, e o IMI e o AIMI se mantêm em valores estratosféricos. Ao mesmo tempo outros partidos acham que se pode destruir o Estado de Direito e em pleno século XXI transformar os proprietários em servos da gleba, obrigando-os a celebrar contratos de arrendamento em condições inaceitáveis para os mesmos.

Pode-se ter graduado uma Secretaria de Estado em Ministério, mas as políticas erradas mantêm-se. E se há demonstração absoluta de irracionalidade é repetir sistematicamente o mesmo processo, esperando que ele alguma vez conduza a um resultado diferente.