Rita Rato, buxos e moedas de troca

A verdade é que Rita Rato pouco esperou para contratar para os quadros do Museu camaradas de partido – iniciou funções a 1 de agosto desse ano e nesse mesmo verão ficou a saber-se que a nova curadora chamou para a sua equipa outra jovem comunista, Joana Alves, que fora candidata pela CDU à Câmara…

Rita Rato, a ex-deputada do PCP cuja escolha, há dois anos, para diretora do Museu do Aljube motivou um rol de críticas pela falta de formação e inexperiência na área, foi agora reconduzida no cargo.

A um ano das eleições autárquicas, a nomeação valeu ao então presidente da Câmara Fernando Medina não só a contestação pela oposição à sua direita, como reparos provindos do BE e até do interior do próprio PS. Recorde-se que, na altura, o PCP era já e ainda o único parceiro do PS como sustentáculo parlamentar do Governo de António Costa.

À época, o também então e ainda secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, saiu a terreiro em defesa da nomeação da ex-deputada da bancada comunista: «Que ninguém pense em lançar esse estigma porque isso acabou há 46 anos, com o 25 de Abril de 1974».

E a verdade é que Rita Rato pouco esperou para contratar para os quadros do Museu camaradas de partido – iniciou funções a 1 de agosto desse ano e nesse mesmo verão ficou a saber-se que a nova curadora chamou para a sua equipa outra jovem comunista, Joana Alves, que fora candidata pela CDU à Câmara de Oliveira de Azeméis.

A CML liderada por Medina escusou-se sempre a prestar esclarecimentos sobre a forma de seleção tanto de Rita Rato como dos quadros do Museu por ela dirigido.

Sendo que os critérios, obviamente, estão à vista de toda a gente e não carecem de explicação de maior.

Daí que seja de estranhar que, face à polémica da altura, desta vez a recondução de Rita Rato pela Câmara liderada agora pelo social-democrata Carlos Moedas não tenha suscitado qualquer reação.

Se bem que, se as críticas de então eram a falta de formação e a inexperiência da jovem comunista no setor, estes dois anos entretanto decorridos à frente do Museu do Aljube já servem de currículo bastante para calar qualquer comentário desabonatório.

Até porque o presidente da edilidade, destacado dirigente do PSD e protocandidato à liderança futura do partido, desde cedo se revelou mais preocupado em ir ao encontro do eleitorado da esquerda que não o elegeu do que corresponder às expectativas de quem nele depositou o seu voto.

Veja-se o que aconteceu desde logo com as ciclovias – e em particular a da Av. Almirante Reis –, contra as quais fez campanha e que agora continua a multiplicar cidade fora, tanto onde se justifica como onde não fazem sentido algum.

Mas veja-se também o exemplo da atribuição do nome de Carlos do Carmo ao passeio ribeirinho entre o Terreiro das Missas e o Jardim das Docas da Ponte – aprovado por unanimidade no final do ano passado e agora já com as placas bem visíveis.

É incontestável que Carlos do Carmo deve fazer parte da toponímia da cidade, mas por que raio há de ser no passeio marítimo? Porque cantou ‘O Cacilheiro’ de Ary dos Santos ou as ‘Canoas do Tejo’ de Frederico de Brito? Não faria mais sentido ter poiso no Bairro Alto do velho O Faia onde começou a cantar pela mão de sua mãe ou na Alfama que eternizou?

Ali, junto ao passeio ribeirinho, a única ligação com Carlos do Carmo de que me recordo tem a ver com o seu filho e o Speakeasy, um bar que já fechou e que começou por ser de jazz (do Zé Duarte e do Laurent Filipe) antes de passar para as mãos do Gil do Carmo e onde tive o privilégio de encontrar o Fadista nalgumas noites bem passadas.

Mas o Speakeasy ficava na Rocha do Conde d’Óbidos, onde já não chega o agora denominado Passeio Carlos do Carmo.

Precisamente do lado oposto, e também já para além do dito Passeio, fica a velha Praça do Império, agora restaurada e pronta para ser reinaugurada pelo presidente da Câmara de Lisboa.

E que já não motiva polémica – acabou-se com o incompreensível acordo entre o movimento da Nova Portugalidade e a CML trocando os brasões florais por reproduções em calçada à portuguesa ao redor da fonte luminosa.

A solução foi a contento da direita, defensora da simbologia dos brasões representando os distritos e os territórios ultramarinos de outrora, e da esquerda, que assim os pode pisar.

A propósito, recordo-me de um velho e orgulhoso guerrilheiro de Timor-Leste me contar em Díli, em frente ao Palácio do Governo ainda ocupado e encimado pela bandeira da Indonésia, que já ninguém se importava com isso, mas no tempo em que lá estava a bandeira portuguesa os timorenses faziam um desvio no passeio para não pisarem a sua sombra.

Outros tempos. Outros valores.

A questão dos brasões florais é que estes canteiros ornamentais, não fazendo parte do projeto original da Exposição do Mundo Português dirigida por Cotinnelli Telmo em 1940, tendo sido ‘acrescentados’ à Praça do Império em 1961 no âmbito da Exposição Nacional de Floricultura, eram exemplares únicos da mosaico-cultura e da escola de jardinagem de Lisboa.

Como bem defendeu Elsa Severino (Nascer do SOL de 27 de fevereiro de 2021), tratava-se de um conjunto de buxos em mosaico-cultura invulgar e raro nos jardins portugueses e o facto de terem sobrevivido 60 anos conferia-lhes um valor histórico/cultural que não devia «ser desprezado e muito menos apagado».

Está feito. Já não existem.

Medina não perdeu as eleições por acaso.

Ai Lisboa e as moedas de troca.