A segunda vida da praça do império

O novo recinto do Jardim da Praça do Império será inaugurado no dia 14 de fevereiro. O que mudou e o que ficou dos brasões que em 2021 geraram tanta polémica?

A segunda vida da praça do império

Depois de dois anos de obras – acompanhados pela enorme polémica que envolveu os brasões ali presentes –, o recinto do novo Jardim da Praça do Império, em Lisboa, será inaugurado na próxima terça-feira, 14 de fevereiro, dia de S. Valentim. Ao Nascer do SOL, a arquiteta paisagista Cristina Castel-Branco, autora da requalificação, revela que pretendeu devolver ao espaço algumas das suas características originais.

Os brasões, que se tornaram objeto de controvérsia em tempos recentes, curiosamente nem constavam do projeto de Cottinelli Telmo para a Grande Exposição do Mundo Português, de 1940. A ideia surgiu apenas em 1961, ano do quarto centenário da morte do Infante D. Henrique, pelos jardineiros da Câmara de Lisboa, que os plantaram cuidadosamente em buxo e flores de várias cores, a propósito de uma exposição nacional de floricultura.

As principais mudanças

Segundo Cristina Castel-Branco a intervenção é, na sua essência, uma operação que visa restaurar o conjunto do jardim, «enquanto bem patrimonial de exceção», retomando características perdidas do desenho original de 1940 e «melhorando a sua capacidade para acolher cargas de utilização mais intensa». Neste âmbito, fez-se uma significativa alteração da placa central, recuperando traços fundamentais do projeto de Cottinelli Telmo: «Permitir a aproximação ao plano de água da Fonte Luminosa e reintroduzir sombra arbórea com a plantação de quatro grupos de 14 plantas cada», explica ao Nascer do SOL a arquiteta.

A renovação do jardim visou também melhorar as condições de manutenção e de conforto: «Teremos mais sombreamento e mais área verde, uma melhor drenagem e maior retenção de águas pluviais. Os relvados foram melhorados com o ‘rejuvenescimento’ do solo, com o apuramento da mistura de sementes e com a otimização do sistema de irrigação, permitindo um uso direto e livre», descreve. Procedeu-se ainda à supressão da via paralela à Av. da Índia e respetivo estacionamento, «alargando os prados e plantando novos maciços de pinheiro manso e zambujeiro».

Outra das transformações implementadas visa intensificar a relação do jardim com o Mosteiro dos Jerónimos.

Além de a principal inspiração ter sido encontrada no processo de celebrar a memória de Cottinelli Telmo, pesou também no projeto, explica a arquiteta, a consciência da importância e do significado do lugar, «tendo presente que se trata de comemorar a História de Portugal com um jardim e com as suas plantas, plantas que representam um papel central e transversal a todo o processo de Expansão e Descoberta e são veículo essencial para a transformação da Lisboa quinhentista no sentido de um inigualável cosmopolitismo e liderança do Mundo».

Brasões em pedra

Voltemos ao ponto quente: os brasões com as armas das cidades capitais de distrito do país e, menos pacífico, das antigas províncias ultramarinas. Na altura em que pensou a intevenção, o ateliê responsável pelo projeto de restauro, o ACB – Arquitetura Paisagista, propôs a sua remoção. Porquê?

Feitos com buxos e flores, para se manterem «vivos», era necessário o apoio de viveiros de plantas durante todo o ano. Algumas das flores que o compunham tinham mesmo de ser semeadas seis meses antes, trabalho que, neste e noutros jardins da cidade, necessitava de uma equipa de 50 jardineiros da autarquia.

De acordo com o ateliê, depois da reforma dos antigos jardineiros, foi-se perdendo a arte da mosaico-cultura e, consequentemente, deixou de se fazer a manutenção dos brasões, que de coloridos e bem desenhados, passaram a ser verdes e manchados. Além disso, explicava ao Público na altura a arquiteta, quando se faz restauro de jardins, existe um procedimento que serve de base, com a chancela da UNESCO, que é a Carta de Florença. «O documento define que se deve voltar ao projeto original do jardim e, nesse caso, os brasões deveriam ser retirados porque não faziam parte do plano do arquiteto Cottinelli Telmo», dizia àquele diário Cristina Castel-Branco, que também é membro do comité científico de paisagens culturais da UNESCO.

Apesar dos argumentos, muitos contestaram a sua retirada, tendo sido criada uma petição para que os símbolos fossem mantidos que contou com mais de 13 mil assinaturas. Os subscritores acreditavam que a sua remoção «procurava apagar o passado colonial português» e, por isso, fazê-lo, seria um «ato de barbarismo cultural». Além disso, afirmavam que «a exclusão e a perseguição ao passado são incompatíveis com toda a ideia de civilização».

Face à onda de contestação, o ateliê e os peticionários acabaram por chegar a um compromisso: manter os brasões em calçada. «30 capitais de distrito de Portugal e das antigas províncias ultramarinas e os escudos da Ordem de Avis e da Ordem de Cristo», lê-se no painel explicativo colocado em frente ao Mosteiro do Jerónimos.

Segundo Cristina Castel-Branco, o processo desta transposição dos trinta e dois brasões começou pelo estudo da estilização das formas a partir dos desenhos dos brasões tradicionais. «Uma vez concluída esta depuração e definida a utilização das cinco cores de pedra da ‘gama habitual de tonalidades’ da Calçada Portuguesa, escolheu-se um ou dois elementos para ser feito em pedra esculpida, resultando numa peça artística que repõe a memória dos brasões de forma durável», revela.

Frisa a arquiteta que a nova configuração dos brasões em painéis de calçada artística deve ter também «um importante papel na divulgação e preservação das técnicas de calcetamento tradicionais, motivando um decisivo impulso na revitalização da Escola Municipal de Calceteiros e Jardineiros e na dignificação das carreiras municipais destas duas profissões-arte que são fundamentais para a renovação do património de Lisboa e para a própria identidade do seu espaço público».