Europa 2022: foi mesmo a última semana de paz?

Mesmo que apenas consigamos ver um pequeno vislumbre, a paz possível na Ucrânia é aquela para a qual a UE é irrelevante. É já uma paz dos outros… 

Por Francisco Gonçalves

E, de repente, passou um ano, desde que a Rússia decidiu atacar a Ucrânia. Nas semanas anteriores a 24 de fevereiro de 2022, os serviços de informação norte-americanos avisaram recorrentemente para um iminente ataque um russo. A Rússia assegurava que não, que os exercícios militares que estava a realizar na Bielorrússia eram apenas isso: exercícios. A União Europeia duvidava dos avisos, a própria Ucrânia afirmava que os avisos não ajudavam aos esforços da paz.

A história, de então para cá, é conhecida. Depois de muito negar, o Kremlin afinal disse que a Ucrânia não existia, enquanto comunidade autónoma, pelo que era altura de completar o trabalho iniciado em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia e colocou regimes fantoches em Donetsk e Lugansk. 

Olhando com atenção, a guerra na Europa não começou a 24 de fevereiro do ano passado. Em 2014 a Rússia já tinha invadido território ucraniano, assim como em 2008 tinha invadido duas partes da Geórgia (que ocupa até hoje), a Abcázia e a Ossétia do Sul. Aliás, se pensarmos bem, a província da Transnístria, na Moldávia, foi ocupada por outro governo fantoche pró-russo, em 1992. Isto, apenas desde o final da URSS.

Não há, desde 1945, um conflito generalizado no continente europeu, é verdade. Todavia, viver em paz e em liberdade é um privilégio, sobretudo da parte ocidental do continente, de que importa ter noção. 

A dúvida atual reside em saber que paz irá ser construída. Que Ucrânia existirá no final? Que parte do território estará disposta a perder, se é que está disposta a perder território? E que Rússia subsistirá a esta monumental derrota estratégica? Que confiança existirá nas relações entre Rússia e ‘ocidente alargado’? E entre EUA e China? 

Se estas questões parecem longínquas, pensemos de novo: são as questões centrais dos próximos anos. Paralelamente, dentro da União Europeia, qual será o resultado da deriva do eixo gravitacional da União para Leste? Como estarão os interesses de um Portugal ‘atlantista’ numa UE cada vez mais ‘continental’, com parca visão de si própria enquanto ator global? 

Os reequilíbrios geopolíticos parecem determinar que, se o euromundo terá terminado com a crise do Suez, estaremos agora a entrar num mundo sem Europa, ou sem potências europeias ‘à mesa’. 

A Rússia perdeu o seu último império em 1991, a tentativa de o reconstruir pela força, e a recusa da sua própria normalização, parece estar a empurrar a Rússia para o pior dos seus pesadelos. 

Na Europa ocidental, a História e a globalização fizeram as potências tradicionais europeias pequenas demais para, isoladamente, contarem. Em bloco tornavam-se fundamentais. A saída do Reino Unido da UE retirou, à união, visão global. O focar na fronteira leste, e num possível novo alargamento, aumentará a sensação de estarmos perante um ator sem direção centralizada, o tal ‘anão político’.

Sem força política efetiva, a paz que tivermos será a paz dos outros, com os seus valores e os seus interesses – sem esquecer que estamos perante um quadro de recrudescimento dos nacionalismos, que fragmentam o apoio ao projeto europeu. 

Na realidade, mesmo que apenas consigamos ver (para já) um pequeno vislumbre, a paz possível na Ucrânia é aquela para a qual a UE é irrelevante. É já uma paz dos outros. Caminhamos a bom passo para a irrelevância.