“Se perdesse para alguém como Lula da Silva, nesse dia arrumava as minhas coisas e entregava a chave do partido”

André Ventura sonha em voltar à televisão, mas não imagina abandonar o partido antes dos 50 anos. Entre os líderes da extrema-direita europeia há uns com quem se identifica mais, ainda que seja rápido a distanciar-se das suas políticas. 

Desde que é presidente do Chega, quase todos os outros partidos já mudaram de líder. Entre si e António Costa quem vai ser o primeiro a sair?

Sim, Catarina Martins anunciou esta semana que vai sair da liderança do Bloco de Esquerda e, portanto, ficarei eu e António Costa como os líderes mais antigos. Ao  momento em que estou, não consigo dizer obviamente quando é que vou sair. Há uma coisa que gostava que acontecesse e disse isto neste último congresso do partido. Eu gostaria de sair por mim próprio. Honra me seja feita também, tenho uma idade diferente de António Costa. Eu tenho 40 anos, feitos há 15 dias. António Costa tem 61 anos e já foi ministro da Justiça, presidente da Câmara de Lisboa, mesmo antes de chegar a líder do PS. Com isso, não quer dizer que vá eternizar-me no cargo, mas há um momento em que terei de pensar em sair. Se calhar aos 50 anos é uma boa altura para sair, se os militantes quiserem e se as circunstâncias o permitirem.

Se não houvesse André Ventura, não havia Chega?

Hoje tenho a certeza que no dia em que eu sair o Chega vai continuar. No início teria havido Chega sem André Ventura? Não sei.

Portanto, tem a certeza que António Costa vai sair primeiro da liderança PS do que André Ventura da liderança do Chega.

Tenho a fé e a convicção que António Costa vai sair e eu continuarei líder do Chega. Pedro Nuno Santos dizia que eu ia embora e ele ainda ia cá ficar. Mas eu ainda cá estou. Com António Costa é mais difícil, não vou fazer apostas tão elevadas, mas se me pedissem para jogar aqui à roleta e para jogar o meu dinheiro todo eu colocava na hipótese em que António Costa ainda sai e eu continuo.

Porque é que a imagem que dá aqui, que é de uma pessoa civilizada, contrasta tanto com os berros na Assembleia da República?

Tenho a certeza que se estivessem no Parlamento a sentir a revolta que eu sinto todos os dias, também gritavam furiosamente, porque é uma revolta profunda contra a impunidade que eu sinto naquele Parlamento. Obviamente que tenho falhas e muitos defeitos, mas acho que sou uma pessoa civilizada e racional. Não acho que seja uma pessoa parva. Qualquer pessoa que esteja de bem, perde a cabeça com o PS. Por exemplo, uma pessoa com quem eu sou capaz de estar numa mesa a conversar intelectualmente, mas que no Parlamento me irrita solenemente é o Pedro Delgado Alves. É uma pessoa inteligente, que tem uma capacidade de discurso fantástica, é um excelente jurista. Mas quando está a falar no Parlamento, revolve-me as entranhas, de uma forma que não consigo explicar. Os socialistas irritam-me, não tenho outra forma de explicar isso. E ao irritarem-me torno-me uma pessoa mais selvagem. Tenho a noção que sou um deputado selvagem, mas foram eles que me tornaram selvagem.

Falando em trogloditas ou selvagens, o que acha de Bolsonaro e Donald Trump?

Quando perco, perco. Acho que Bolsonaro perdeu as eleições muito por culpa da gestão que fez da pandemia. Donald Trump a mesma coisa. Não perderiam noutras circunstâncias. Eu ficaria mais embaraçado e envergonhado se perdesse as eleições para um ladrão e bandido. Não sei se a embaixada me vai processar pelo que disse no Parlamento, mas eu não mudo a minha opinião sobre Lula da Silva. Eu conheço o processo, sei o que lá estava em causa. Portanto, Lula da Silva roubou, não há outra forma de dizer isto. Não é um caso de pode ter roubado ou não. Ele roubou e nós ouvimos escutas, vimos o processo. Eu acompanhei o processo da Lava-Jato. Se eu perdesse para alguém como Lula da Silva, por exemplo, se eu um dia perdesse eleições contra José Sócrates, nesse dia eu arrumava as minhas coisas e entregava a chave do partido.

Então, esse é o caminho que Bolsonaro deveria seguir na sua opinião.

Se eu perdesse contra o Lula da Silva, nunca mais me candidatava a nada, mas isso sou eu. É sinal que fiz mal o meu trabalho.

Como viu a invasão dos 3 poderes em Brasília e do Capitólio em Washington?

Como é evidente não gostei. Fui o único a apoiar Bolsonaro contra Lula da Silva e voltaria a fazê-lo.

Mesmo depois de ter perdido contra um ladrão?

Lá está, o meu apoio não foi suficiente. Lula da Silva era um fenómeno a evitar, por tudo aquilo que sabemos, pela questão endémica do Estado brasileiro. Agora, invadir o Parlamento, atacar a polícia, seria a última coisa que eu faria. Aliás, desde logo, em Portugal, por uma razão extra, é que nós temos uma relação construída com forças policiais. Portanto, nenhum militante do Chega algum dia se decidiria a atacar uma instituição para atacar polícias ou juízes, ou seja o que for. Em Portugal, o respeito à justiça e pela força policial muda muito o comportamento em relação a alguns que se aproximam de nós. A primeira coisa que eu fiz foi condenar perante a comunicação social qualquer invasão de instituições em Portugal. Também não gosto de perder, mas uma coisa é perder, outra é perder e querer ganhar o jogo pela força. Isso não é forma de fazer política. Só admito o uso da força, quando já não vivemos em democracia, mas em tiraria. Só aí é que é legítimo. Só num momento em que o Estado deixe de respeitar as nossas liberdades fundamentais, então aí é legítimo recorrer à força.

Mas como é que continua a identificar-se com Bolsonaro e Trump que alimentaram estes atos de invasão?

Reconheço nos dois capacidades e qualidades. Não é o meu estilo de fazer política e não me identifico com nenhum deles. São muito diferentes do meu percurso político, do meu percurso académico, do meu percurso profissional, portanto não me identifico com este tipo de comportamentos. Nem eu, nem outros líderes europeus.

Com quem mais se identifica: Meloni, Salvini ou Berlusconi?

Neste momento, identifico-me mais com a Meloni. Acho que Meloni tem feito um melhor trabalho que Salvini, tem surpreendido como primeira-ministra. É o que dizia há pouco, sobre a falta que as mulheres fazem seja na política ou na Igreja.

E entre Núñez Feijóo e Abascal?

Santiago Abascal. Temos a melhor relação entre quaisquer líderes europeus. É uma relação muito próxima, encontramo-nos muito periodicamente, partilhamos coisas do dia a dia da vida política. O crescimento dos dois partidos tem sido homogéneo. O VOX um bocadinho à nossa frente, também tem mais dois anos que o Chega. E temos um contexto político muito parecido. Eu aprendi muito com ele, acho que posso dizer que ele também já aprendeu algumas coisas comigo. Somos amigos, é dos poucos que eu posso dizer que sou amigo, e admiro-o muito. Embora, deva acrescentar que Núñez Feijóo está a fazer um trabalho político incrível, melhor do que Luís Montenegro aqui. E ainda bem para mim.

Mas não defende o plano antiaborto que eles defendiam para Castela e Leão e que obrigava as mulheres a ouvir o batimento do coração do feto e a fazerem uma ecografia 4D?

Não, uma coisa é identificar-me, outra coisa é acreditar em tudo o que eles dizem.

E entre Mateusz Morawiecki e Viktor Orbán?

Viktor Orbán, porque tem mostrado à União Europeia, que está disposto a sacrifícios pela defesa dos valores, mesmo quando tem toda a gente contra a ele.

Um homem que bate palmas a Putin, que quer correr com a comunidade gay…

Claro que temos as nossas diferenças, essas são duas importantes. Na questão da guerra, vou estar sempre do lado da Ucrânia. Muitos no ID acham que não, sobretudo mais do leste da Europa porque há ali relações com a Rússia que são mais próximas do que a nossa, do ponto de vista geoestratégico. Da minha parte, podem ter a certeza que estamos do lado da Ucrânia. É a nossa civilização que está em causa. Na questão da comunidade gay, como já disse, é perder tempo com o que não se deve perder tempo. Uma coisa é dizer que a educação deve estar salvaguardada de influências LGBT, outra é atacar as pessoas que fazem parte da comunidade LGBT.

Acha que Orbán não está a atacar?

Não conheço os procedimentos. Se atacou, nunca nos reveremos nisso. Outra coisa é dizer que crianças com seis anos não tenham que ser expostas a conteúdos homossexuais ou de pornografia, ou de coisas parecidas. Aí, Orbán até fez um referendo para retirar conteúdos de natureza sexual da educação infantil, em que eu me revejo completamente. Acho que é um erro fazer isso às nossas crianças. Outra coisa é alguém que na sua maturidade e na sua livre escolha é homossexual ou é o que for. Não tem que ser atacado por causa disso, tem que viver a sua vida normalmente. 

É ou não verdade que sempre teve simpatia por Putin, até por ele financiar partidos de extrema-direita?

Não, nunca tive nenhuma simpatia. Sempre tive uma noção geoestratégica. Sou europeu, sou português acima de tudo, mas faço parte de um espaço que é europeu. Sempre tive a noção plena de que a Europa tem que se afirmar, quer face aos Estados Unidos, quer face à Rússia, quer à China. Todos os que contribuem para que isso não aconteça, Putin é um deles, para mim, estão do lado errado. Nunca tive dúvidas quanto a isso.

Tem a noção que estas pessoas por quem nutre alguma admiração têm uma relação dúbia com a democracia?

Pode-se dizer o mesmo do PS e de António Costa pela relação que têm com pessoas do PCP e de outros partidos comunistas, mas isso não faz deles menos democratas. Evidentemente, converso com pessoas com as quais não me revejo no que se refere a posições sobre a Rússia ou com posições menos democráticas. O PS é menos democrata por ter estado com o PCP? Acho que temos de distinguir as coisas. A grande questão é: defendemos ou não a Ucrânia desde o primeiro momento? Sem dúvida, houve até militantes do Chega que partiram para a Ucrânia para ajudar no que podiam.

Militantes como quem? Mário Machado?

Não. Militantes nossos. O Mário Machado não é nosso militante que eu saiba. Mas houve militantes que foram ajudar e distritais nossas que recolheram alimentos. Nunca tivemos dúvidas de que lado é que estaríamos. Ninguém pode dar mais provas de democracia do que uma pessoa que em quatro anos foi cinco vezes a eleições internas no partido. Coloquei o meu lugar à disposição cinco vezes. Todos se podiam candidatar.

Mas há quem diga que o partido não existe sem si.

Outros acham que sim. Era o momento de terem avançado e dizerem eu faria diferente. É fácil estar em casa e dizer se fosse eu tinha 40%.

Mas há quem o acuse de ser autoritário dentro do próprio partido.

Não é verdade e desafio-vos a entrevistarem os deputados do partido e a perguntarem sobre a relação que temos, se eu me imponho no trabalho deles nas comissões, naquilo que temos que decidir, etc.

Por exemplo, quando nomeou os delegados agora no Congresso isso não é tentar controlar o partido?

Não é verdade. O Conselho Nacional decidiu que em vez de ser a lista método de Hondt, ou seja, eram duas listas e elegia-se uma parte de uma e outra parte de outra, e o que ganhasse levava a lista toda. O risco para nós até era maior, porque imagine que perdíamos uma distrital, em vez de termos 30 delegados tínhamos 100 dos outros. Portanto, pusemos tudo em jogo. Tivemos um plenário em setembro, na Batalha, ao qual todos os militantes podiam ir e votar contra a minha presença como presidente do partido. Não creio que nenhum outro partido tenha feito isso alguma vez. Catarina Martins e Rui Rio andaram a arrastar-se, agarrados ao lugar, sem quererem sair quase até ao limite, quando toda a gente pedia a cabeça deles. O nosso partido tem dado vários exemplos de democracia.

E os episódios de violência nos corredores da Assembleia da República?

Isso não dignifica ninguém. Algumas histórias não são muitas vezes verdade. Mas é também um sinal, sobretudo naqueles episódios de maior conflitualidade entre nós e outros partidos, do tal ambiente de conflito que existe ali dentro. Este ambiente por vezes explode para coisas menos apropriadas. Há declarações de que eu não me orgulho de ter feito no Parlamento. Aqui sentado civilizadamente, consigo perceber que houve momentos em que me excedi. Mas é nesse ambiente de alta conflitualidade, de segregação e perseguição que fazem ao Chega, que isto acontece.

Como viu a decisão de o Presidente da República ter ido visitar o nepalês que foi agredido?

Achei bem e mal. Bem porque merece a nossa compaixão e a mensagem é correta. Não podemos agredir imigrantes, aliás, temos que os proteger. Mal porque não vi a mesma atitude quando um polícia foi agredido, ou quando um magistrado foi agredido. E acontece todos os dias, nas esquadras, nos tribunais, etc. Há o exemplo daquele polícia que ficou com a cara praticamente toda desfigurada e não teve uma visita do Presidente da República. Então, parece que o que estamos a dizer é que os imigrantes são mais importantes que os polícias e que os magistrados. Isto é profundamente errado. Se fosse Presidente da República ia visitar uns, mas também ia visitar os outros.

Mas há uns que são mais desprotegidos que outros.

Essa é a perceção que existe. Acham que os polícias em Portugal não são desprotegidos? Ainda ontem se suicidou um em Tomar com a arma de um colega. Não vejo classe mais desprotegida do que os polícias em Portugal. Todos os dias se matam, todos os dias são maltratados e o Presidente da República não tem uma palavra para lhes dar.

Um dos seus fiascos é o Movimento Zero, que foi desmantelado.

Não é dos meus, é do sindicalismo. Eu não estive por trás, houve movimentos que se aproximaram do Chega, mas o Chega nunca teve que ver com a criação do Movimento Zero. Esse desmantelamento levou a que também o Chega percebesse a importância de ter um novo movimento sindical e daí o nascimento do Solidariedade.

Está convencido que esse também poderá ser um dos seus fiascos?

Estou convencido que é uma aposta de alto risco, mas a política sem risco é uma chatice e sem ética é uma vergonha, como dizia Sá Carneiro. Arrisquei no sindicalismo e vou levar isso até ao fim. Posso ganhar ou perder. Não acho que isto julgue o meu mandato como presidente do partido. No dia em que os resultados eleitorais ditarem que há uma mudança em Portugal e que o Chega em vez de estar a crescer está a decrescer significativamente, não preciso que ninguém me diga, eu próprio direi que chegou o meu momento e que tenho de sair. Não vou fazer como a Catarina Martins que passa de 9 deputados para 5 e arrasta-se durante um ano e meio como líder do Bloco de Esquerda. No dia em que passar de 12 para 4 deputados, podem ter a certeza que não é preciso eleições, eu próprio vou embora, porque aí percebo que o meu momento chegou ao fim.

Mithá Ribeiro, uma personagem intelectual do partido que deixou de ser vice-presidente da bancada e também deixou a direção do partido, ainda tem futuro?

Como sabem foi ele que se demitiu da vice-presidência, na altura em discordância. Mas posso dizer que naquele momento houve alguma tensão, ele próprio já reconheceu isso. Foi ultrapassado e hoje Gabriel Mithá Ribeiro é um dos mais ativos do grupo parlamentar. É um dos elementos que mais tem contribuído para a questão da educação do Parlamento. No Parlamento, há uma preponderância do líder do partido na decisão da distribuição do trabalho e tenho colocado sistematicamente Gabriel Mithá Ribeiro a falar sobre educação, a ir às manifestações dos professores em minha representação. A minha confiança nele hoje é total.

Calculo que não sinta saudade nenhuma de dar aulas, até pelo prazer de ver o circo a arder no Parlamento.

Acho que é uma vantagem política, todos os políticos deviam ter essa experiência. É a nossa cura contra a corrupção e contra o imobilismo de ficar nos lugares para sempre, que é termos uma vida para onde podemos voltar, quando sentimos que o nosso momento chegou ao fim. Há duas coisas que gostei muito de fazer sempre e às quais  gostava de voltar quando a minha vida política terminar. Uma é dar aulas, gostava muito de voltar a dar aulas, provavelmente num regime diferente. Outra é a televisão, gostava de voltar a fazer televisão, fiz durante muitos anos. Era onde me sentia como um peixe na água. Admito voltar, quando isto acabar. Talvez um dia vá ver os debates do Parlamento e também diga que gostava era de estar ali.

Mas o seu sonho não foi sempre voltar à Autoridade Tributária?

É possível. Não me custava nada voltar. A vida também vai mudando um pouco e hoje se me perguntarem o que gostaria de voltar a fazer entre essas três coisas seria voltar à televisão.

Na última entrevista, disse que se fosse líder do PSD teria maioria absoluta.

Hoje, se fosse líder do PSD estava perto dos 50%, até tenho medo das sondagens que vão sair. É tanta falta de bom senso na oposição. Se se aglomerasse o PSD e o Chega num único movimento, António Costa hoje estaria assustado com a oposição. Assim, ri-se da oposição.

Continua a ir jantar fora?

Sim e até sou muito apoiado nos restaurantes. Temos tido acompanhamento de segurança, mas não prescindo dessa parte da minha vida. Zonas com muito movimento e zonas noturnas isso já não frequento.

Nem supermercados?

Agora, já não. Procuramos evitar situações que possam por em causa quer a minha segurança quer a dos outros. Há uma coisa que mudou a minha vida. No verão, procuro ir a uma praia, mesmo que vá acompanhado por segurança, faço por ir para não perder essa ligação à vida normal. Agora, uma coisa que eu gostava era bares e discotecas, mas nunca mais fui.

O que achou do facto de a morte da sua coelha ter-se tornado um caso nacional?

Não tinha noção do sofrimento que a morte de um animal de estimação nos causa. Foi o primeiro que tive, foram mais de dez anos. Custou-me imenso. Era uma coisa próxima, não esperava que me doesse tanto. Tanto que não pensei em ter mais animais de estimação.

Nunca mais comeu coelho?

Não, nunca mais, mas isso já desde que a tinha.