Unidos e redimidos

Atualmente, quer os USA quer a Europa sofrem de uma epidemia grave: desunião nacional e polarização.

Nova Iorque, fevereiro 2023

 

«Uma casa dividida contra si própria não se sustem».

Abraham Lincoln parafraseando Jesus Cristo

 

«Se queres paz, não fales com os teus amigos. Fala com os teus inimigos».

Bispo Desmond Tutu durante o processo de perdão após o apartheid

 

«Perdão é o perfume que a flor deixa no calcanhar que a esmagou».

Mark Twain

 

Queridas Filhas,

Tive muita sorte de nascer poucos meses depois de 25 de Abril de 1974. As minhas primeiras memórias são de uma sociedade com paixões políticas altas, projetos alternativos radicais, choque de culturas entre gerações dos meus avós e gerações mais hippies e viradas para o hedonismo dos meus pais e relevância de grandes instituições nacionais cujo objetivo era manter a unidade da nação.

O grande medo popular era uma guerra civil como a que Espanha teve, ou que um regime opressor, agora comunista, regressasse ao poder. Nas ruas assisti a bastantes batalhas verbais e algumas físicas até. Mas em nenhum momento senti pânico, caos ou mesmo desunião do povo português.

Quando comecei a escola primária, adultos falavam-me em segredo das suas preferências políticas e religiosas. Mas em publico todos respeitavam as opções de cada e abriam espaços de diálogo e debate. A dignidade de cada família sempre foi defendida, independentemente de situação económica, política, religiosa ou étnica. Com o tempo, as quezílias foram desaparecendo, e a partir de 1985 o foco de todos mudou-se para o desenvolvimento económico e integração europeia. 15 anos depois, Portugal tinha autoconfiança, organizou uma Expo mundial e recebia um europeu de futebol. Vim estudar dois anos para os USA convencido a voltar e com muita confiança na continuação do progresso do nosso país. Até que conheci a vossa mãe e por aqui fiquei…

Surpreendentemente, nos últimos 20 anos, essa dinâmica esfumou-se e o país estagnou. Os meus amigos americanos ganharam o debate que tínhamos em que eu defendia o modelo de Portugal e da Europa e eles viam um continente sem ideias, sem inovação e em decadência.

Mas atualmente, quer os USA quer a Europa sofrem de uma epidemia grave: desunião nacional e polarização. A Europa, tem para já gerido isso de forma centralista, inspirada no modelo francês, com ameaças e multas para quem não siga a ortodoxia: ultimamente a Polónia e Hungria tem sido as mais admoestadas.

Os USA seguem diferentes caminhos em cada Estado. A julgar pelas migrações internas, os estados do Sul liderados por republicanos na Florida e Texas estão a ganhar milhões de pessoas por ano aos estados das elites democráticas da Califórnia, NY e Boston. Mas as divisões continuam, com famílias a não se falarem. A tensão não se resolve e temo que poderemos ter mais problemas no futuro.

E lembro-me da minha infância em Portugal. Que bem que Portugal geriu estas tensões e uniu o povo. E que necessidade dessas capacidades o mundo ocidental tem. Isto é uma oportunidade grande para Portugal a nível político e económico.

A civilização ocidental é fundamentada em valores judeo-cristãos. Há 2000 anos um homem num posto remoto do império romano lançou uma ideia revolucionária: todos os humanos têm dignidade pois são filhos de Deus. Todos merecem ser protegidos, incluindo os mais fracos. E devemos nos reconciliar com os nossos adversários: Ama os teus inimigos. Para a cultura Romana em que a força manda e quem não a tem serve como escravo, estas palavras caíram em ridículo e tiveram o desprezo das elites. Mas ao fim de três séculos, o império foi convertido. Depois da queda de Roma, estes princípios criaram uma identidade europeia que criou os maiores avanços da humanidade até ao século XX: a separação de poderes (Magna Carta), Universidades e Investigação, exploração marítima e evangelização e mais recentemente a declaração Universal dos Direitos Humanos.

Houve desafios e projetos alternativos. A Igreja teve períodos de alta corrupção. O iluminismo levou ao abandono da religião que culminou na declaração de Nietzsche de que «Deus morreu» e consequente exortação para a criação um ‘super-homem’ que adquire poder, governa a sua vida pela força e aperfeiçoa a humanidade pela eliminação dos mais fracos. O expoente máximo desta corrente foi o regime nazi da Alemanha.

Outro projeto foi o comunismo que viu na luta de classes uma oportunidade de criar uma utopia na terra, mas que acabou por escravizar a quase totalidade das populações ao serviço de uma elite governativa. Como disse Orwell: «Todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais que outros». E recentemente a política de identidade ‘woke’ segue a mesma linha marxista para declarar que qualquer identidade minoritária é oprimida. E que mais que protegida, tem de ser ativamente beneficiada. O grito poderia ser: ‘Vitimas do Mundo, uni-vos’. Os valores judeo-cristãos que uniram o ocidente estão a ser abandonados e a criar guerras e polarizações.

Estes exageros e divisões são algo que Portugal geriu bem. E que pode ajudar o mundo a gerir no futuro. Quer em termos políticos quer económicos. Tenho boas ideias sobre isto, mas esta carta já vai longa…. Esperem pela próxima.