As ocupações da Inês

Por que motivo nunca tinha ocorrido a ninguém que com a ocupação de pontes, ou outros espaços públicos, se podiam resolver os problemas do país? 

Por João Cerqueira

A assessora da ministra do Trabalho, Inês Franco Alexandre, propôs que fosse feita uma ocupação da Ponte 25 de Abril como forma de protesto para lidar com os problemas da habitação em Portugal. Disse então: «Temos de ir todos para a Ponte 25 de Abril. Acampamos na própria da ponte, fechamos a ponte, até sermos ouvidos». E acrescentou ainda que a Decathlon poderia ajudar, como patrocinadora, fornecendo tendas para os manifestantes.

Isto dá que pensar por duas razões. 

A primeira: por que motivo um membro do Governo apela a um protesto contra o Governo do qual faz parte? A segunda: por que motivo nunca tinha ocorrido a ninguém que com a ocupação de pontes, ou outros espaços públicos, se podiam resolver os problemas do país? E, assim, a segunda pergunta justifica a primeira. Ou seja, num Governo com horror às mudanças e onde ministros e secretários de Estado são ciclicamente forçados a demitirem-se por estarem a tratar dos seus interesses privados em vez de governar, é natural que só agora tivesse aparecido alguém com a clarividência necessária para encontrar as soluções que irão melhorar a vida dos portugueses.

 

Quanto ao problema da habitação, até aqui os especialistas apontavam causas variadas como o crédito bancário, a falta de mão de obra, os valores elevados do IVA da construção e o facto de este não ser dedutível, a estagnação económica, os salários baixos, a lei das rendas, a demora na concessão de autorizações, licenciamentos e processos burocráticos afins. Ora, parecendo esta catrefada de dificuldades de complexa resolução, a dar vontade de emigrar e comprar casa noutro lado, afinal tudo pode ser resolvido facilmente. Basta que umas centenas de cidadãos ocupem a Ponte 25 de Abril, paralisem o trânsito, infernizem a vida a quem será forçado a fazer mais uns quilómetros para usar outra ponte, e já está. Com a Inês a soprar uma vuvuzela em cima da ponte, a pernas do Governo começam a tremer, o Gabinete de Crise reúne-se de emergência e, no próprio dia, fica tudo resolvido. Bancos, empreiteiros, leis fiscais, lei das rendas, crise económica, salários, burocracia, humidade, enfim tudo o que impedia que as casas aparecessem como cogumelos é removido e, em alguns meses, começa até a haver habitação em excesso.

 

Claro que depois disto, a Inês passa de assessora a ministra e candidata a futura primeira-ministra ou  a Presidente da República. Todavia, não passará muito tempo dentro do seu gabinete, onde, como já tinha intuído, não se resolve nada. A sua luta é na rua, ou na ponte, ou ainda nas pistas dos aeroportos. Porque, é fácil prever que a sua próxima ação incidirá sobre a TAP. Com o apoio da Decathlon que lhe fornecerá tendas e outros acessórios para campismo, irá promover uma ocupação das pistas do aeroporto de Lisboa destinadas à TAP onde ficará a grelhar salsichas até o Governo se mexer. De novo com as pernas a tremer, o Gabinete de Crise do Governo tomará medidas imediatas: acaba com a dívida da TAP, despede a CEO francesa, satisfaz todas as exigências dos pilotos e comissários de bordo, devolve os 3,2 biliões de euros aos portugueses que os pagaram, e arranja rapidamente um comprador que pague os valores exigidos sem discutir um cêntimo.

 

Depois da TAP, a Inês já será uma heroína nacional comparável à padeira de Aljubarrota. No entanto, terá feito grandes inimigos. E o mais temível será o líder da Fenprof, Mário Nogueira, por temer que o método de ocupação de espaços públicos que  resolveu o problema da habitação e da TAP – e irá em breve resolver os problemas da Saúde, da guerra da Ucrânia e do aquecimento global – seja aplicado para forçar o Governo a aceitar as exigências dos professores. Ultrapassado pela esquerda, Mário Nogueira, assim como o STOP, serão obrigados a fazer algo que nunca lhes ocorrera. Não ocupar pontes ou aeroportos porque nas escolas ensinam que isso não se faz, mas, sim, fazer manifestações nas principais cidades do país.

Claro que sem  a Inês a liderá-las, com uma vuvuzela na mão direita e salsichas para grelhar na esquerda, o resultado poderá não ser o mesmo. Talvez não haja o mesmo caos apocalíptico. Seja como for, nessa altura Inês já poderá ter sido convidada para presidir a União Europeia, a ONU ou – e será o mais certo – o País das Maravilhas de Alice.