Populismo Penal e a falta de literacia política em Portugal

Nos últimos anos, temos testemunhado um crescente fenómeno de populismo penal em Portugal (e não só), que tem vindo a ganhar espaço na opinião pública e a influenciar a agenda política do país.

por Octávio Rebelo da Costa

O populismo penal é uma corrente política que se caracteriza por uma retórica punitiva, que apela a uma resposta enérgica do Estado perante os problemas sociais e, por vezes, se sobrepõe aos direitos e garantias dos cidadãos. Este fenómeno é especialmente preocupante num país em que a literacia política é tão baixa. Infelizmente, a falta de informação e o desinteresse pela política têm vindo a alimentar este tipo de discurso, que muitas vezes se apoia em factos deturpados e na exploração do medo e da insegurança da população.

A maioria absoluta do Partido Socialista nas últimas eleições legislativas é um exemplo disso. Não podemos considerá-la um mérito do partido, mas sim uma falha da oposição. De facto, os partidos da oposição falharam em descolar-se do populismo penal e em apresentar uma alternativa clara e convincente aos eleitores. Continuam a fazê-lo.

Em vez disso, assistimos a uma estratégia de colagem ao Chega, um partido que apoia abertamente o populismo penal. O medo de que o PSD se colasse ao Chega trouxe os portugueses para a esfera de influência do Partido Socialista, que se apresentou como a única alternativa capaz de garantir a estabilidade política e a manutenção dos direitos e garantias dos cidadãos.

A tese de doutoramento de André Ventura, hoje líder (primeiro e único) desse partido Chega, intitulada "Os Novos Desafios da Política Criminal", apresenta uma análise crítica sobre o sistema penal português e as políticas criminais adotadas no país. Ventura argumenta que o sistema penal português falhou ao longo das últimas décadas, destacando o aumento da criminalidade violenta e a falta de medidas efetivas para combatê-la.

Ventura também critica a forma como a política criminal tem sido tratada pelos partidos políticos em Portugal, afirmando que a falta de liderança política e o populismo penal têm sido fatores decisivos para o fracasso do sistema penal português. Segundo ele, "a política criminal não deve ser um objeto de populismo, mas sim uma questão técnica e científica, que deve ser abordada com rigor e objetividade" (Ventura, 2013, p. 204).

É interessante notar que, apesar de atualmente liderar um partido político que tem sido acusado de adotar uma postura populista em relação ao sistema penal, a tese de doutoramento de Ventura apresenta uma posição crítica em relação a essa abordagem. Ele defende que o combate à criminalidade deve ser feito com base em medidas efetivas, que sejam baseadas em evidências científicas e não em discursos populistas.

Na tese, Ventura argumenta que "o populismo penal, ao contrário do que possa parecer, é um instrumento de desestabilização do sistema democrático". Segundo o autor, o populismo penal é uma forma de manipulação política que recorre ao medo para gerar insatisfação popular e ganhar votos. "O populismo penal é um sintoma de falta de confiança nos tribunais.

Certamente. Após analisar a tese de doutoramento de André Ventura, fica evidente que o seu posicionamento contra o populismo penal é incoerente com o seu papel como líder do partido Chega. Embora seja possível mudar de opinião ao longo do tempo, a falta de coerência pode minar a credibilidade de um líder político e gerar desconfiança nos eleitores.

É por isso também fundamental que a literacia política seja fomentada e que os cidadãos tenham acesso a informações claras e objetivas sobre as questões políticas do país. É (ou seria) importante que sejam os próprios partidos a apresentar soluções concretas e realistas para os problemas da sociedade, em vez de se aproveitarem do populismo penal para obterem ganhos políticos.

Ora demonstra-se fulcral que sejam respeitados os princípios fundamentais do Estado de Direito, tais como a presunção de inocência, a proporcionalidade das penas, a igualdade perante a lei e a independência do poder judicial. Imperioso é que os direitos e garantias dos cidadãos sejam salvaguardados, mesmo em tempos de crise.

Como afirmava Cícero, "salus populi suprema lex esto" (a segurança do povo seja a lei suprema), mas esta segurança não pode ser alcançada à custa dos direitos e garantias dos cidadãos, sob pena de se instalar um clima de medo e desconfiança, que é incompatível com a democracia e com a construção de uma sociedade justa e equitativa.

No campo da ciência política, Maquiavel, um dos mais importantes teóricos políticos da história, alertou para o perigo do recurso à força e à violência como forma de resolver conflitos políticos. Segundo o autor italiano, a violência gera mais violência, e o uso excessivo da força pode conduzir à perda da legitimidade do poder.

Ou seja, este fenómeno (infelizmente) tem sido alimentado pela falta de literacia política de uma parte significativa da população. O saudoso Professor Gomes Canotilho, alertava para a necessidade de se debater "a (in)constitucionalidade do populismo penal, a degradação da justiça penal, a demagogia política e a destruição da democracia constitucional".

Esta base na promessa de uma resposta rápida e dura à criminalidade, através da imposição de penas cada vez mais severas e de uma justiça mais célere é promessa que é geralmente feita por políticos populistas que exploram o medo da população em relação ao crime, muitas vezes de forma simplista e demagógica. Infelizmente, esta estratégia tem sido bem-sucedida em Portugal.

Ademais, a relação entre o populismo penal e a literacia política é deveras preocupante, pois o primeiro é alimentado pela segunda. Em outras palavras, quanto menor for a literacia política, maior será o espaço para o populismo penal. Essa relação complexa pode ser entendida a partir das reflexões de alguns dos principais pensadores portugueses do direito e da ciência política, como Boaventura de Sousa Santos, José Joaquim Gomes Canotilho e João Carlos Loureiro.

A falta de literacia política não se limita à compreensão das propostas e discursos dos políticos, mas também à capacidade de avaliar criticamente a sua ação e de entender o seu impacto na sociedade. Neste sentido, é importante destacar a responsabilidade da educação cívica na formação de cidadãos mais conscientes e críticos.

Infelizmente, a falta de literacia tem sido explorada pelos políticos populistas, que têm conseguido ganhar votos prometendo soluções rápidas e simplistas para problemas complexos, mesmo que que estas soluções muitas vezes violem os direitos fundamentais e os princípios constitucionais.

É neste contexto que surge o Partido Socialista, que tem conseguido ganhar eleições com maiorias absolutas. No entanto, como referido acima, aqui a vitória deve-se ao demérito da oposição, que não tem conseguido apresentar uma alternativa credível e consistente. É necessário, portanto, que a oposição assuma a sua responsabilidade e que se dedique a um trabalho mais construtivo e menos demagógico.

É urgente e fundamental que se promova um debate mais esclarecido e crítico sobre as propostas e os discursos dos políticos. É também essencial que se invista na educação cívica, para formar cidadãos mais conscientes e críticos. O populismo penal não é uma solução para o problema da criminalidade, mas sim um problema para a solução da justiça penal.

Em resumo, o populismo penal continua a ser um tema relevante e polémico no panorama político português e merece uma discussão aprofundada. É importante que os líderes políticos não utilizem discursos populistas para angariar votos, mas sim trabalhem para encontrar soluções eficazes e justas para a segurança pública e a justiça criminal.