O touro e o camafeu

Um em mármore, com quatro metros de altura, o outro em ágata, com um palmo de diâmetro, o Touro e a Taça Farnese rivalizam em espetacularidade.

Instalado num palácio do século XVII com a fachada orlada de palmeiras, o Museu Arqueológico Nacional é um dos ex-líbris de Nápoles. Na estrada em frente, motociclistas sem capacete arriscam manobras temerárias. Do lado oposto da praça, que na verdade mais parece uma rua, estende-se uma sequência de arcadas onde o cheiro a urina fica pouco aquém do suportável. Por ironia, esse edifício chama-se Galeria do Príncipe de Nápoles e é hoje ocupado por sem-abrigo que dormem em cima de cartões e ali têm os seus parcos pertences.

Mas falávamos do Museu – e esse é um oásis de arte, cultura e tranquilidade. Fundado em 1777 pelo Rei Fernando IV, alberga uma inesgotável coleção de antiguidades egípcias e romanas, mosaicos, moedas, armas, esculturas, etc. É conhecido, evidentemente, pelo núcleo único de achados arqueológicos de Pompeia e Herculano, e em particular pelo célebre Gabinete Secreto, onde se expõem as pinturas de temática erótica e uma variedade de representações de falos, um amuleto muito apreciado na Roma antiga.

Certamente por já saber o que me esperava, não foram essas peças famosas as que mais me encantaram, mas sim duas outras com características muito diferentes entre si. Primeiro, o Touro Farnese, um espantoso conjunto escultórico com quatro metros de altura que se julga ser uma cópia de um original helenístico do século II a.C. A palavra cópia pode induzir aqui em erro: esta escultura de mármore terá sido feita no século III da nossa era para as termas de Caracala, em Roma, de onde foi desenterrada em 1546. As escavações, patrocinadas pelo Papa Paulo III (Alessandro Farnese, destinavam-se precisamente a encontrar esculturas para decorar o palácio da sua família em Roma, e foi esse o destino da escultura após o restauro. Herdada por Carlos III por via da sua mãe, a última descendente dos Farnese, acabaria por ser levada para Nápoles por Fernando IV, o tal que fundou o museu.

Se o Touro Farnese é um portento de força, vitalidade e monumentalidade, a outra peça que me impressionou é um primor de subtileza. Conhecida por Taça Farnese, tem aproximadamente um palmo de diâmetro, o suficiente para fazer dela o maior camafeu – palavra hoje usada como adjetivo pouco abonatório, mas que designa uma técnica de trabalhar a pedra camada por camada, produzindo relevos que aproveitam e realçam as diferentes tonalidades do material – da Antiguidade.

Extremamente delicada, encontra-se protegida uma vitrina, embora nem isso tenha sido suficiente para a salvar da fúria de um vigilante que, num acesso de loucura em 1925, bateu com o seu guarda-chuva na caixa de vidro e danificou esta obra-prima. De um lado, a taça mostra uma cabeça da Górgona; do outro, há uma cena com várias personagens. A presença de uma esfinge situa-a no Egipto da era ptolemaica. O homem de barbas com uma cornucópia na mão (símbolo da abundância) poderá representar o velho Nilo e a figura reclinada em cima da esfinge as cheias sazonais que fertilizam a terra.

No final da visita, chegado à loja do museu, procurei, como é meu hábito, postais dos pontos altos da visita. Não encontrei nenhum postal da Taça, mas encontrei melhor do que isso. Um livro inteiro com 60 páginas de fotografias que a revelam em todo o seu esplendor: cada cabelo da Górgona, cada escama das serpentes, cada prega dos tecidos, cada veio e tonalidade da pedra, do âmbar ao mel, sem esquecer o nacarado e o azul opalino de algumas figuras. Se a taça tem direito a vitrina própria, a única maneira de fazer justiça ao livro era pegar nalgumas destas páginas e pô-las numa moldura. Como acontece com as grandes obras de arte, é impossível cansarmo-nos de olhar para elas.