Nápoles. O levantar dos burrinhos

Na frente da Série A com 15 pontos de avanço, em grande na Liga dos Campeões, o Nápoles é a equipa sensação da Europa. Eis a sua história!

O porto de Nápoles sempre atraiu todo o tipo de marinheiros. No início de 1900 estava pejado de navios ingleses e, nessa altura, os ingleses levavam consigo para toda a parte onde fossem uma bola e um livrinho de regras desse jogo que os encantava como nunca. Um campo era sempre fácil de arranjar. Com umas traves de madeira faziam-se os retângulos das balizas e as redes de pesca era úteis para lhes aplicar de forma não restarem dúvidas quanto aos golos. E assim, desta forma simplista, William Poths, um funcionário da empresa Cunnard Lines, juntamente com o seu compatriota Mr. Bayon e com e três cavalheiros napolitanos das suas relações, Conti, Catterina e Amedeo Salsi, partiram para a aventura de fundarem um clube que levou o nome de Naples Foot-Ball & Cricket Club, curiosamente no mesmo ano que a cidade via nascer outro clube, este chamado Football Club Partenopeo – nome retirado da antiga cidade grega que se ergueu na mesma zona – Parthenópé – e mais tarde engolida por Nápoles cujo nome significa Nova Cidade. Era o ano de 1905 e os fundadores decidiram que a equipa deveria equipar com camisola às riscas azuis claras e azuis escuras e calções negros estreando-se contra os funcionários de um navio inglês ali aportado, o Arabik, jogo abençoado com uma vitória por 3-2 à qual equivaleu um magnífico troféu de prata. Parecia que o Nápoles tinha nascido para vencer mas a história não correu tão bem como esperado.

O tempo e a diminuição da influência inglesa fez cair o Cricket do nome do clube. Em 1912, essa influência passou a ser tão contestada que Mr. Bayon decidiu sair e fundar outro clube rival o US Internazionale Napoli algo que animou extraordinariamente o futebol na cidade. Nada como uma boa rivalidade para fazer com que o povo se apaixone pelo jogo. Só que a I Grande Guerra veio enfraquecer de tal ordem a economia italiana em geral e a economia napolitana em particular que em 1922 os dirigentes de ambos os Nápoles se viram obrigados a acordar uma fusão para garantirem a sobrevivência. Confiava-se que o recém-nascido Foot-Ball Club Internazionale-Naples, ou Internápoles, representasse o futuro do futebol na cidade mas a união tinha sido claramente espúria. Não foi preciso esperar muito para vermos abrirem-se outros caminhos.

Mais mudanças

Sob a férrea vontade deGiorgio Ascarelli, presidente do Internaziionale, o novo nome surgiu com naturalidade e simplicidade: Associazione Calcio Napoli, assim batizada no dia 25 de agosto de 1926. Há que dizer que na Itália desse tempo já influencia pelas ideias grandiloquentes de um sujeito histérico chamado Benito Mussolini, a expressão Internaziole não era propriamente bem vista pois remetia para a sonoridade da Internacional Comunista, e a coisa foi de tal forma que o Internazionale de Milão foi obrigado a chamar-se Ambrosiana durante várias épocas. Carregando com o cavalo, símbolo da cidade no emblema, os jogadores do clube começaram a ser popularmente conhecidos por ciuciarelli – os burrinhos, de ciuccio, burro – e não tardaram a fazer dele a mascote da equipa. 

Tínhamos atingido os anos 30 e a organização dos campeonatos italianos já ganhara a ordem que mantém até hoje. O Nápoles batia-se como podia contra os mais poderosos clubes do país, finalizando geralmente entre os seis primeiros tendo atingido dois históricos terceiros lugares nas épocas de 1932-33 e 1933-34 sob o comando de um dos mais carismáticos treinadores de sempre, o inglês William Garbot e apresentado como grande estrela o avançado-centro Antonio Vojak, vindo da Juventus em 1929, e ao qual se juntaria o astro argentino Guillermo Stábile ainda que por pouco tempo. 

A II Grande Guerra foi fatal para os sonhos de grandeza do Nápoles. Cidade abandonada do sul de Itália, desprezada pela alta burguesia, tornou-se vítima de uma quase permanente destruição económica que não dava lugar a que um clube de futebol pudesse ter mais importância do que o sofrimento e a fome dos seus habitantes. Foi nesse elemento de crescente desafio que os napolitanos acabaram por encontrar a força que precisavam para se unirem numa noção muito particular de injustiça social. Entre descidas e subidas constantes e permanências dolorosas nas divisões inferiores o Nápoles foi sobrevivendo como pôde muito pelo arreganho dos seus adeptos que precisavam de ter um motivo de orgulho. Hoje têm motivos para estar mais orgulhosos do que nunca.