A Habitação – um pesadelo, também no PRR!

Deste programa, muito se tem falado e discutido, a oposição (Montenegro) não se coibiu de relembrar o passado ‘comunista’ de Costa, mas pouco se tem falado das promessas vãs de Costa de construção de habitação ao longo destes quase 8 anos de Governo.

1. Esta semana foi apresentado o Relatório Anual da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que Pedro Dominguinhos lidera. Ficámos, assim, a saber que, depois de avaliar 69 processos (faltando 83 por ‘falta de tempo’), é nas áreas de apoio às empresas e habitação que se encontram os maiores atrasos. De seguida, ainda foram sinalizadas as áreas dos transportes, das florestas e da construção de infraestruturas ligadas ao mar como merecedoras de preocupação. 

De uma maneira geral, depois de se considerarem 33 processos ‘dentro dos prazos’ e 21 a ‘carecer de acompanhamento’, identificaram-se 15 em pior situação, dos quais 2 em estado crítico. Entre diversas causas de onde resultam os problemas identificados, saliento: (i) os atrasos na avaliação das candidaturas (na área de apoio às empresas), (ii) os atrasos no lançamento de concursos e até na escassez de procura, e (iii) uma ambição megalómana, como de formar para o digital cerca de 800 mil pessoas dentro do calendário previsto. Como exemplo de atraso preocupante, crítico mesmo, foi referenciado o tema do prolongamento do Metro para Odivelas e Loures (ao que parece por alteração de traçado e a carecer de financiamento municipal), para além de uma crítica nada despicienda ao Banco de Fomento (por atrasos na capitalização das empresas).

No fundo, a CNA deste PRR, para além de 13 recomendações construtivas em que se destacam, entre outras, (i) o acelerar da avaliação das candidaturas, (ii) o agilizar dos processos de autorizações administrativas e legislativas, e até, pasme-se (iii) o concretizar da execução do site CNA/PRR (!), veio, assim, confirmar ‘preto no branco’ o que desde há muito se induzia: atrasos e mais atrasos, projetos inviáveis, porventura apresentados para ‘fazer volume’, e riscos sérios de não ser possível a concretização de alguns projetos. Não surpreende que Marcelo andasse há tanto tempo a falar no tema, porque muito pior do que zurzir nos responsáveis, é o Presidente ter razão.

 

2. Quiçá antecipando a apresentação deste relatório ou porque sentiu que o seu Governo não apresentava quaisquer causas, Costa acompanhou Marina Gonçalves (ministra da Habitação) na apresentação do Programa ‘Mais Habitação’, em consulta pública até 10 de março. Deste programa, muito se tem falado e discutido, a oposição (Montenegro) não se coibiu de relembrar o passado ‘comunista’ de Costa, mas pouco se tem falado das promessas vãs de Costa de construção de habitação ao longo destes quase 8 anos de Governo.

É indiscutível que Costa sempre fez do ‘Direito à Habitação’ um dos seus grandes ‘cavalos de batalha’ conforme instituído na Constituição. Já em 2015, no seu Programa de Governo, Costa se comprometia a «relançar a política de habitação social», através da promoção de oferta de habitação a preços acessíveis. Em particular, no Programa Especial de Realojamento existia a intenção de reabilitar edifícios devolutos para fins de habitação social e/ou criar uma rede de habitações apoiadas para pessoas com parcos recursos. Como nunca quantificou estas promessas, fica impossível de verificar o seu efetivo cumprimento. 

Pela realidade de hoje, sobra a certeza de que ficou muito a desejar, até porque o investimento público foi sempre parente pobre dos seus governos, jamais cumprindo as metas propostas em sucessivos anos no OE. Já em 2018, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) tinha identificado «187 municípios afetados por carências habitacionais, onde existem 14.748 edifícios e 31.526 fogos sem condições de habitabilidade e 25.762 famílias a precisar de ser realojadas». 

Posteriormente a este estudo, em 2018, foi lançado o ‘Programa 1º Direito’ (D-Lei 37/2018 de 4 de maio), inserido no apoio a famílias carenciadas sob o pomposo nome de ‘Nova Geração de Políticas de Habitação”, segundo o qual se iniciaria o ambicioso projeto de “comemorar os 50 anos de abril em 2024 sem famílias em situações indignas de habitação”. Como se vê, propaganda nunca faltou desde há anos e metas ambiciosas ainda menos.

Após 4 anos de existência, segundo o 3.º Relatório de acompanhamento (outubro de 2022), daqui resultaram acordos com 198 municípios (de um total de 308), dos quais 190 com acordos de colaboração e 8 com acordos de financiamento. Anuncia-se que foram assinados 263 contratos de financiamento e entregues 1.173 fogos (!). Se a isto se pode chamar de ‘sucesso’ ao fim de 4 anos, vou ali e já venho…

Mas não há que desesperar porque agora é que vai ser, até porque este ‘Programa 1.º Direito’ foi inserido no PRR que prevê um investimento de Eur. 1.211 M, o que permitirá dar resposta a pelo menos 26.000 famílias até 2026 (só faltam 24.827!). Assim, não surpreende que com 97% dos fundos por gastar se tenha referido, na apresentação do Relatório Anual da CNA do PRR, que «o nível de projetos aprovado é baixo face às metas globais, antevendo-se que, durante o primeiro semestre de 2023, este número cresça de forma relevante». Alguma surpresa que, perante o óbvio insucesso, numa matéria tão sensível aos portugueses, Costa retomasse o tema, neste momento de quebra nítida nas sondagens?

Apelando ao apoio da esquerda, entre outras medidas, Costa veio impor, sob condições, o arrendamento de fogos devolutos (estimados em 720 mil). No entanto, como muitos serão de emigrantes, outros segunda habitação e mais uns quantos de pessoas deslocadas, de facto ninguém sabe bem quantos serão. Pelo meio, não se vislumbra o que o Estado fará aos inúmeros prédios devolutos de sua propriedade, escasseiam promessas de construção (como tão bem fez a EPUL durante anos), acaba-se com os ‘Vistos Gold’ e sobram violentos ataques ao alojamento local (AL) que tanto tem feito pelo turismo. 

Mas o assunto marca a agenda, entretém as discussões e lança-se uma confusão ideológica em detrimento da realidade do Governo muito prometer e pouco fazer, desde que há quase 8 anos iniciou as suas funções, com a agravante, neste caso, de impender sobre Costa o estigma da sobreposição, porventura inconstitucional, do direito de habitação sobre o da propriedade privada, relembrando o PREC de 1975.