Quando acabarão as dificuldades de aprendizagem na Europa?

Os atores globais, EUA e China, reuniram com membros diferentes da UE sobre a resolução de um conflito no território europeu. A UE, como quase sempre, falou a várias vozes, continuando a mostrar-se enquanto o ator dividido que é.

por Francisco Gonçalves

A riqueza de acontecimentos da semana que marca o primeiro aniversário da guerra da Ucrânia obriga-nos a regressar ao tema do artigo anterior: as divisões na Europa.

Salientamos, nesta semana, a visita do Presidente dos EUA a Kiev e a Varsóvia; o périplo na Europa do principal conselheiro de Xi Jinping, Wang Pi, para a política externa; os discursos de Biden, Putin e Duda; e, a proposta chinesa para um plano de paz.

No que respeita às viagens norte-americana e chinesa, importa reter que uma das partes, os EUA, colocaram a sua representação ao mais alto nível, demonstrativo do compromisso. A China fez-se representar por um político destacado, mas não enviou nem o presidente nem um membro do governo. São níveis de representação distintos que projetam diferentes graus de compromisso. Recorde-se que foi a primeira visita do presidente norte-americano a Kiev, desde o início da guerra, bem como foi a primeira visita de um alto dignatário chinês a Moscovo, no mesmo período.

Continuando a tentar perceber a lógica destas deslocações, o presidente Biden visitou a Ucrânia a partir da Polónia, provavelmente o país mais ressentido do antigo bloco de leste, e o líder de um novo foco da UE a leste. Nesta visita, o Presidente norte-americano reuniu também com o Grupo de Bucareste, composto pelas ex-repúblicas soviéticas (Estónia, Letónia e Lituânia) e ex-Estados do bloco de leste (Bulgária, Chéquia, Eslováquia, Hungria, Polónia e Roménia) membros da NATO – os que mantêm os maiores receios históricos para com o expansionismo russo.

O representante chinês terminou o seu périplo europeu em Moscovo, tendo antes passado pela França, Alemanha, Hungria e Itália. Respetivamente, as duas potências continentais motores da integração da UE e os dois países da UE com partidos no Governo mais próximos da Rússia. No âmbito desta deslocação, surgiu também o anúncio de uma proposta chinesa para a paz, indicativa de um assumir das responsabilidades do país no sistema internacional, sinal de um equilíbrio sistémico futuro, onde a China quer ser ator principal.

Isto é, os atores globais, EUA e China, reuniram com membros diferentes da UE sobre a resolução de um conflito no território europeu. A UE, como quase sempre, falou a várias vozes, continuando a mostrar-se enquanto o ator dividido que é.

Paralelamente, importa ainda reter o que saiu dos três importantes discursos. Putin, no Estado da Nação, continuou na mesma retórica ‘anti-Ocidente alargado’ e ‘anti-NATO’. Isto é, sem novidade significativa que não o assumir da suspensão da Rússia do acordo NEW START, referente ao controle das armas nucleares. Biden também fez um discurso previsível: reafirmou uma posição de apoio à Ucrânia, garantindo que os EUA não abandonarão os seus aliados. Curiosamente, o mais revelador dos discursos foi o do presidente polaco, Andrzej Duda, numa frase lapidar: «A Rússia deverá abandonar a Ucrânia envergonhada».

Quando se está num conflito, a perspetiva racional deverá ser a construção do quadro de relacionamento futuro. Recorde-se que Kissinger, logo no início da guerra, afirmou da importância do regresso ao ‘status quo ante’ e a não permitir que a Rússia saia desta guerra humilhada. O Presidente polaco, neste discurso, regressou à habitual lógica de humilhação dos derrotados nos conflitos europeus, que deu os resultados conhecidos após o final da I Guerra Mundial: o ressentimento alemão e a II Guerra Mundial.

Por estes factos referimos no título que a Europa continua com dificuldades de aprendizagem: está dividida e com pouca liderança, continuando a não aprender com as lições da história.

Acabamos este artigo como o da semana passada: «Caminhamos, a bom passo, para a irrelevância».