O complicado caminho para as tréguas

Um ano depois do início das agressões russa, como é que podem a Ucrânia e a Rússia alcançar um acordo de paz?

A mais recente proposta para um acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia chegou da China, que apelou a um cessar-fogo e a uma redução gradual do conflito que possa abrir caminho para as negociações. A proposta enuncia 12 pontos para encerrar o conflito.

O plano da China, divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores, na passada sexta-feira, dia que coincidiu com o primeiro aniversário da invasão russa na Ucrânia, pede também o fim das sanções ocidentais contra a Rússia, o estabelecimento de corredores humanitários para a evacuação de civis e medidas para garantir a exportação de cereais depois de as interrupções terem feito com que os preços globais dos alimentos disparassem no ano passado.

Para a maior parte dos líderes ocidentais, porém, o governo chinês não tem credibilidade internacional para atuar como mediador no conflito Rússia-Ucrânia, dada a ambiguidade assumida desde a primeira hora. Pequim tem evitado sempre condenar a invasão russa.

“De momento, a China não aparece como um mediador credível porque continua a considerar a guerra na Ucrânia apenas uma “crise” e não uma guerra”, argumenta Patrícia Daehnhardt, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA).

Esse é, no entender da investigadora, um dos entraves mais sérios a “um plano de paz que signifique o fim da guerra ou pelo menos o fim das hostilidades”.

“A China não cancelou a ‘amizade sem limites’ com a Rússia e pretende posicionar-se como defensora da paz contra o mundo ocidental que considera belicista pelo apoio militar que este concede à Ucrânia”, diz Daehnhardt. “Além da recetividade que tal posição acolhe junto dos movimentos pacifistas europeus, é uma forma de a China minar a unidade transatlântica”, explica.

Esta notícia chega dias depois do diretor do Gabinete da Comissão Central de Negócios Estrangeiros do Partido Comunista Chinês (PCC), Wang Yi, ter sido recebido no Kremlin, revelando que o próprio Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, vai visitar a Rússia para se reunir com o seu homólogo russo, Vladimir Putin.

              

Caminhos para a paz

Um ano depois do início da invasão, o caminho para a paz parece barrado por demasiados obstáculos.

Como pode então ser alcançado este tão desejado objetivo?

Para além da questão de uma mediação “credível e efetiva”, Patrícia Daehnhardt fala numa segunda condição, que “seria a de que nenhum dos lados conseguisse alcançar uma vitória militar”, afirmando que o “fim das hostilidades se imporia por essa via”. Reconhece, contudo, que este é um desfecho pouco provável.

“Nesta fase da guerra, não me parece que esta condição esteja preenchida. Uma terceira condição seria a de que uma das partes se sinta tão inferior militarmente que aceite a paz a qualquer custo. Como nenhuma das três condições parece estar preenchida neste momento, o fim das hostilidades não parece estar à vista e a paz parece, infelizmente, muito longínqua”, lamenta.

Mas existem ainda mais questões a dificultar as negociações de paz. Nomeadamente a definição das fronteiras e territórios da Ucrânia.

Em dezembro, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky propôs um plano de paz de 10 pontos que exigia que a Rússia restaurasse a integridade territorial da Ucrânia e retirasse todas as suas forças armadas do país. Uma condição que o Presidente russo rejeita liminarmente.

Vladimir Putin, que anexou ilegalmente quatro territórios no leste e sul da Ucrânia, sugeriu que poderia estar disposto a negociar, mas fez questão de mencionar que para isso era necessário a Ucrânia reconhecer a anexação das quatro regiões.

E há ainda a questão legal. Sendo a Ucrânia uma democracia constitucional, “qualquer cessão formal do território soberano da Ucrânia (incluindo a Crimeia) exigiria uma mudança constitucional e, portanto, um referendo”, como nota o site australiano The Conversation. “Na verdade, o artigo 156 da Constituição da Ucrânia exige que essas mudanças fundamentais sejam submetidas a um referendo em toda a Ucrânia”.

Ou seja, a decisão da concessão de territórios a Moscovo teria de passar pelo povo da Ucrânia e, segundo sondagens publicadas pelo The Conversation, “84% dos ucranianos agora rejeitam quaisquer concessões territoriais à Rússia”.

 

Um desfecho imprevisível

Para Patrícia Daehnhardt, é muito difícil de prever o desfecho das agressões russas. De resto, citando a opinião da maioria dos analistas militares, a guerra deverá “prolongar-se durante ainda muito tempo”.

“A Rússia não vai desistir porque isso corresponderia a ter de aceitar uma derrota estratégica e possivelmente o fim do regime russo. A Ucrânia não pode desistir porque significaria o fim da sua existência enquanto Estado soberano e internacionalmente reconhecido como tal”, resume a investigadora.

A decisão de invadir fez da Rússia um “estado revisionista agressivo” e o “pária no sistema internacional”, o que dificultará a sua reinserção no sistema de segurança europeu.

“É preciso não esquecer que dois meses antes da agressão russa, Moscovo apresentou um ultimato aos países europeus, Estados Unidos e Canadá sobre a arquitetura de segurança cujo status quo pretendia derrubar. Por isso, a futura ordem de segurança europeia será uma ordem confrontacional enquanto perdurar o atual regime russo que considera o Ocidente o seu inimigo”.

E existe também a questão da integração da Ucrânia em organizações como a NATO e a União Europeia.

“A Ucrânia num cenário de pós-guerra terá de integrar a União Europeia para consolidar a sua posição e identidade enquanto país ocidental e, se não for integrada na NATO, terá de ter um estatuto especial e uma garantia de segurança dos seus aliados ocidentais”, descreve a especialista. “Por outras palavras, um sólido ancoramento da Ucrânia nas estruturas ocidentais da futura ordem de segurança europeia tornou-se uma condição de paz na Europa”.