O pêndulo da Habitação

Com os juros a subir o Governo fez bem em apresentar algumas medidas que evitem a falência das famílias portuguesas e a perda da sua casa em favor da hipoteca ao banco.

Por Fernando Matos Rodrigues, Antropólogo e Investigador CICS.NOVA_UM/LAHB

O Governo socialista liderado por António aplica pela primeira vez políticas de regulação e de contenção na especulação do setor da habitação e do imobiliário. Numa intervenção forte e determinada o primeiro-ministro reclama para si a habitação e apresenta como principais medidas: o fim da atribuição dos chamados Vistos Gold; o fim da atribuição de licenças para AL nas cidades e lança taxa para promover a habitação; apresenta incentivos fiscais em sede de IMT e de IRS; define tetos para os novos contratos de arrendamento; decide travar a especulação imobiliária e a bolha nas rendas, forçando os proprietários a promover arrendamento. Falta saber que medidas vão ser aplicadas aos Fundos Imobiliários. Na taxa de IMT que baixa de 28 para 25, penso que se devia ir mais longe, isto é, para valores de 10-15 %. Ainda em relação à taxa de esforço das famílias na habitação o Governo apresenta um limite de 35% face aos mais de 45 % de hoje; é um valor mais digno, mas ainda longe dos valores socialmente justos que são de uma taxa entre os 10 e 15% como se pratica nos países mais desenvolvidos da Europa.

As medidas apresentadas tiveram também o mérito de clarificar o posicionamento ideológico e prático de cada uma das forças políticas nacionais, em relação à promoção da habitação como um direito constitucional consagrado no Artigo 65.º da CRP76. A divisão foi expectável: de um lado, uma esquerda social democrata e socialista que defende a habitação como um bem social e um direito civilizacional; do outro lado, os partidos da direita liberal, neoliberal e da extrema-direita que entendem a habitação como uma mercadoria e um negócio.

Foram várias as instituições do sector (CPCI, AICCOPN, AEPEMIP, APANP) que reagiram contra as medidas apresentadas por António Costa, alertando o povo proprietário que vinham aí as nacionalizações da terra e da propriedade. Que o Governo quer tirar as casas a 75% de proprietários no Portugal contemporâneo. Mas, não é a banca que se prepara para tomar conta das ‘nossas’ casas? Afinal, o proprietário de 75% das nossas casas é a banca!

Com os juros a subir o Governo fez bem em apresentar algumas medidas que evitem a falência das famílias portuguesas e a perda da sua casa em favor da hipoteca ao banco.

A intervenção do Estado na regulação da habitação é um dever constitucional e um imperativo ético e moral, perante a quantidade de famílias que não conseguem alugar ou comprar uma casa por causa dos valores pornográficos que se praticam no mercado livre. Por outro lado, as casas não ficam suspensas no território, isto é, sem infraestrutura, sem equipamentos públicos e sem transportes, as casas perdem valor e não produzem as mais valias procuradas pelos grandes negócios imobiliários.

 Ao constatarmos que casa construída é casa entregue à especulação, o Estado tem de fazer uso das políticas da regulação, por muito que desagradem aos promotores deste neoliberalismo desregulado. Não é a quantidade de casas colocadas no circuito de oferta que faz baixar as rendas e o preço do m2, mas a regulação por parte do Estado, em sede fiscal, ou pela definição de regras nos contratos de arrendamento contribui para que se evitem a especulação imobiliária e a subida das rendas para valores inaceitáveis.

As medidas apresentadas têm como principal objetivo intervir no mercado de habitação nova, usada e para aluguer, mas também regular a política de Alojamento Local (AL) perante a incapacidade dos municípios. Estas propostas têm como finalidade regular os esquemas de financiamento, representados por agentes imobiliários e setores de crédito e financeiros especializados na habitação. Importa destacar o fim dos Vistos Gold, do fim de atribuição de licenças para AL nas cidades onde a pressão é muito elevada, com destaque para o Porto e Lisboa, colocando tetos em função da inflação para os novos contratos de arrendamento. Pensamos todavia que esta medida será insuficiente e mais tarde ou mais cedo e, tendo isso em conta, o Governo terá que congelar as rendas mais altas e estabelecer rendas mais baixas, com o recurso a apoios sociais.

Para especialistas de influência (neo)liberal a habitação é considerada um ‘bem de consumo’ perfeitamente integrada nos mecanismos da produção e da comercialização capitalista, naturalmente dependente das leis da oferta e da procura do mercado. Não entendem a habitação como um ‘bem social’, de primeira necessidade e, muito menos, como um direito civilizacional. Uma das formas de contrariar este fenómeno é a promoção da ideologia da casa própria, da propriedade privada, o que na opinião de João Carlos Cabral (1989:57-59) não é mais do que a afirmação da casa própria como símbolo de estabilidade na continuação do fortalecimento da família e da sociedade capitalista.

 

A Carta Social Europeia determina por exemplo que todos os estados europeus devem promover políticas, tendo em vista a assegurar o exercício efetivo do direito à habitação, tomando como referência estas medidas: i) favorecer o acesso à habitação de nível suficiente; ii) prevenir e reduzir a condição de sem-abrigo, com vista à sua eliminação progressiva; ii) tornar o preço da habitação acessível às pessoas que não disponham de recursos suficientes.

Portugal e em especial as cidades de Lisboa e Porto passam por um período de crescente valorização de atividades económicas direcionadas para a monocultura do turismo, beneficiadas financeiramente pelo Estado e por fundos comunitários (com destaque para o IFFRU), programas de reabilitação urbana, que injetam milhares de milhões de euros nas cidades, provocando situações de especulação imobiliária, com consequências graves no que diz respeito aos custos da habitação para os seus moradores/as. Problema que se agravou nos últimos anos com o aumento dos preços das rendas, com a transformação das casas de habitação da bolsa de arrendamento urbano em Alojamento Local e a especulação imobiliária no aumento explosivo dos preços do solo urbano. Em Portugal, faltam políticas públicas que promovam a economia social e cooperativa na habitação.