“Os balcões do futuro não vão ter pessoas, vão ter máquinas”

Para António Fonseca se a redução de trabalhadores ‘não fosse desajustada não estávamos a assistir a esta pressão sobre os bancos, nem às filas intermediáveis que existem nas agências’. O braço-de-ferro em relação aos aumentos salariais continua.

“Os balcões do futuro não vão ter pessoas, vão ter máquinas”

Estamos a assistir cada vez mais a limitações por parte dos bancos, desde encerramentos à hora do almoço ou à ausência de bancários em determinadas agências. Como vê essa situação?

Vejo essas limitações com grande admiração e com grande espírito crítico. Primeiro porque, enquanto sindicato, é um atentado à mão-de-obra e é contra o trabalho que pode ser feito pelos bancários. Segundo representa um péssimo serviço, pois os bancos cobram cada vez mais em comissões e parece que querem empurrar as pessoas para os automatismos que nem todos são obrigados ou estão preparados ou têm conhecimentos para utilizar. Temos uma franja bastante grande, principalmente nas áreas menos urbanas, que não têm conhecimento, nem têm aptidões para fazer essas operações. Começa a ser complicado enfrentar situações de balcões que fecham ao meio-dia e depois abrem mais tarde, outros que só estão a funcionar em determinados períodos. Há de tudo um pouco na banca. Está-se a entrar por um caminho de diminuição dos postos de trabalho e consequentemente presta-se um pior serviço ao cliente.

Essa redução de serviços acaba por ser uma resposta à diminuição dos postos de trabalho?

Claro, uma das maiores queixas que os nossos associados fazem é a diminuição drástica do número de efetivos nos balcões e quem for atualmente às agências é confrontado com muitos clientes à espera. Isto porque fecharam imensos balcões e as pessoas como têm acesso a menos agências é lógico que têm de ir a outra e vão-se começando a concentrar no mesmo local. Antigamente era usual ver um grande número de clientes nos balcões da Caixa Geral de Depósitos, enquanto nos outros não era tanto, mas hoje em dia é frequente encontrar isso em qualquer balcão, quer seja no Montepio, no BCP, no BPI ou no Santander.

Há uma tendência da banca em ‘empurrar’ os bancos para o homebanking. Mas há a tal franja que não tem acesso…

Os bancos estão a pensar exclusivamente em números e nos resultados que apresentam e a pensar muito pouco no serviço que prestam. Isso mais tarde ou mais cedo vai ter uma consequência negativa, ainda por cima, hoje em dia, as pessoas têm necessidade de ter uma conta bancária. Ser cliente de um banco é quase obrigatório e a redução de serviços é penalizador para quem procura os serviços da banca.

E enquanto isso as comissões disparam…

São muitos milhões de euros que são cobrados. Aliás, o comissionamento prestado pela banca tinha como argumento que era para fazer face às taxas baixas. No entanto, as taxas estão agora a subir e não vejo o comissionamento a descer. Então se estão agora a subir era suposto que os bancos começassem a baixar essas comissões. Entendo que os bancos têm de ter lucros para continuarem a desenvolver a sua atividade, porque não são associações sem fins lucrativos, são empresas que têm acionistas que querem ir buscar os seus lucros. Agora o que não entendo é que com as taxas a subir não baixem as comissões e não me parece que esteja previsto nada disso.

É mais fácil subir do que descer…

É verdade. Isto são os oportunismos de mercado a funcionar e quando encontram uma forma de ganhar depois é muito difícil abdicarem desse resultado.

Ainda esta semana a Deco revelou num estudo uma série de comissões bizarras, como pagar por contar moedas ou cobrar por digitalizações…

Agora cobra-se comissões por tudo e mais alguma coisa. Uma simples alteração das administrações dos condomínios que era um serviço que não era cobrado, agora cada administrador tem de pagar por essa mudança.

A tendência é para continuar?

Diria que a tendência será para continuar, infelizmente. Não me parece que esteja prevista uma alteração de estratégia.

E vamos assistindo à apresentação de lucros recorde por parte dos bancos…

Estamos a habituarmo-nos a bater recordes atrás de recordes em cada semestre que passa. Quando parece que é impossível subir mais, aparece sempre um semestre com um resultado ainda melhor. No entanto é sempre à conta dos mesmos: do cliente e do trabalhador, porque os trabalhadores são cada vez menos e continuam a fazer o trabalho que faziam antes e até mais.

Mas o braço de ferro entre sindicatos e bancos mantém-se em torno dos aumentos salariais…

Continua e depois de os bancos nos terem dito que este ano compensariam, caso a inflação viesse a atingir valores altos, o que veio acontecer – com valores a chegar quase aos dois dígitos – continuam a propor um aumento que nem é metade do valor da inflação. É lógico que se os ordenados não acompanham a inflação vamos continuar a assistir à diminuição do poder de compra.

Qual é a proposta em cima da mesa?

Os bancos estão a propor 3,5%, sendo que já há alguns que adiantaram valores de 4%. Não se compreende como é que na mesa negocial avançam com um valor de 3,5% e depois por livre iniciativa de alguns bancos – sabemos que três o fizeram: BPI, Santander e NovoBanco – já adiantaram um aumento de 4% para os trabalhadores no ativo, só que os sindicatos não têm apenas em conta os aumentos de quem está no ativo porque também defendem os aumentos dos reformados. Não nos podemos esquecer que quem está reformado trabalhou 20, 30, 40 anos para os bancos e ajudaram-nos a serem o que são hoje.

Mesmo os 4% ficam aquém da proposta apresentada pelo sindicato…

A nossa proposta é de 8,5%, ainda assim, é um valor inferior à inflação que se verificou no ano passado. Estamos longe de conseguir chegar a um valor, mas quero acreditar que poderemos conseguir chegar a um número um bocadinho mais alto do que estes 3,5%.

Mas foi agora um memorando para os reformados…

Foi assinado um memorando entre sindicatos, Governo e os representantes da APB, agora pressupõe-se que todos os bancos o sigam. O Governo propôs compensar os reformados com meia pensão, mas assim que o diploma foi publicado percebemos de imediato que os reformados bancários iriam ficar de fora. Imediatamente fizemos e esse alerta e foi um longo percurso, de quase seis meses, até chegarmos a este ponto, ou seja, até o Governo reconhecer que a situação era injusta para os reformados bancários, independentemente de haver ou não fundos de pensões privados. O Governo reconheceu isso e os bancos também se disponibilizaram para pagar essa meia pensão através dos fundos de pensões. Depois o Governo terá de devolver o valor gasto.

Quando é que está previsto começar esse pagamento?

O que está no memorando de entendimento é que os bancos terão de o fazer até ao final do primeiro semestre. Tivemos conversas com os principais bancos que se mostraram bastante recetivos em o fazer, porque perceberam que era uma necessidade social. Ao contrário do que se diz, muitas vezes, na opinião pública, nem todos os reformados bancários têm uma reforma elevada. Há muitas que não ultrapassam os mil euros e hoje em dia é difícil viver com esse montante, pois nem todos acabamos a carreira como diretores. Espero que os bancos cumpram o que nos disseram, mas também acredito que esse pagamento não será feito todo ao mesmo tempo. Por exemplo, o BCP tem cerca de 17 mil reformados e tem cinco ou seis mil no ativo, isto é, tem muito mais reformados do que trabalhadores no ativo. Daí dizer que tenho dúvidas que essa regularização seja feita toda na mesma altura. No entanto, o nosso papel foi desbloquear uma coisa que estava errada, agora cabe aos bancos e ao Governo entenderem-se.

A sangria de fecho de balcões e redução de trabalhadores já foi estancada?

O que nos tem sido dito é que para já estava estagnado e que os bancos tinham os números que pretendiam, com exceção do Montepio que ainda não fez a redução na sua totalidade. Espero que os restantes tenham falado verdade e que já esteja feita a ‘limpeza’ que os bancos queriam fazer, o que para mim foi uma ‘limpeza exagerada’ e desajustada. Se não fosse desajustada não estávamos a assistir a esta pressão sobre os bancos, nem às filas intermediáveis que existem nos balcões. Há bancos que chegam a exigir marcações para os clientes serem atendidos.

Mas que teria terminado com a pandemia…

Houve alterações que a pandemia trouxe e depois há interesse por parte da banca que fiquem. Sei de um caso em que era necessário fazer uma alteração de titulares de uma conta condomínio e foi indicado que esses assuntos tinham de ser tratados com marcação. Não sei se todos estão a fazer isso, mas há bancos que ainda utilizam estas técnicas de controlo de ida de pessoas aos balcões. Fui sempre alertando os presidentes dos bancos para os riscos destas rescisões amigáveis, rescisões por mútuo acordo e das reformas antecipadas por achar que estavam a dispensar trabalhadores a mais. Com a digitalização e o automatismo que vai aparecendo – e é inevitável, não vale a pena enfiar a cabeça na areia, porque a banca esteve sempre na vanguarda da tecnologia – diria que as agências no futuro não vão ter pessoas, vão ter máquinas. Não tenho dúvidas sobre isso, o que acho é que estão a andar um bocadinho com a carroça à frente dos bois. Temos sempre a tendência de ser alunos demasiado disciplinados, às vezes, mais disciplinados do que o resto da Europa. Essa crítica até foi feita no passado ao Governo de Passos Coelho que tinha ido além das restrições da troika e é um bocadinho isto o que os nossos gestores na banca estão a fazer ao quererem andar sempre à frente. Quando nos foi comunicado essas rescisões intervimos nos processos para tentar diminuir alguns impactos que estavam a ocorrer, desde despedirem pessoas com doenças oncológicas, a tentarem despedir marido e mulher, etc., situações completamente desajustadas. Conseguimos orientar os nossos associados para que decidissem o que fosse mais adequado, porque se para uma família a rescisão por mútuo acordo pode ser uma oportunidade para construir uma vida em outro local ou apostar em outra profissão, para outros pode representar uma tragédia familiar.

Em relação à subida das taxas de juro. Acha que a banca está demasiado otimista quanto ao seu impacto?

Tenho conhecimento de algumas pessoas que estão a ter muita dificuldade em negociar os seus créditos. Além disso, o que propõem aos clientes não representa propriamente uma ajuda porque significa aumentar os prazos. Como é lógico, os bancos vivem daquilo que o cliente paga e se este ficar a pagar até mais tarde, o banco vai estar sempre a ganhar. O banco não tem interesse que as pessoas liquidem os empréstimos antecipadamente, logo, quanto mais tarde receberem o dinheiro melhor. Sinto que algumas pessoas vão ter de mudar de estilo de vida para não comprometerem os seus créditos à habitação, que normalmente são os últimos que deixam de pagar.

E como vê a ajuda das medidas do Governo para quem tem crédito à habitação?

Quando as pessoas têm necessidades, as medidas são sempre insuficientes. O Governo até tem tido alguma preocupação nesta matéria, mas se para uns pode ser suficiente, para outros poderá não ser. Também acho que houve um desajuste muito grande e os bancos também tiveram alguma culpa nisso porque quiseram vender, vender crédito à habitação, mas as pessoas esqueceram-se que o crédito à habitação estava com taxas, muitas vezes, negativas e que mais tarde ou mais cedo isso iria acabar. Sabia-se que essa situação não se iria manter ad aeternum, no entanto, muitos empréstimos foram concedidos, sabendo-se que essas pessoas poderiam ter taxas de esforço insuportáveis se os juros aumentassem. Isso deveria ter sido acautelado.

E ao crédito à habitação há que juntar outros créditos, como o consumo…

Nem falo nesses. Tenho um crédito pessoal pequeno, com uma taxa controlada e tive um aumento de 50 euros com a subida dos juros. Imagine valores altos de empréstimos com esta subida das taxas. Já ouvi falar de pessoas com 300, 400, 500 euros de subida só devido ao aumento dos juros.

Por outro lado, os bancos resistem em subir os juros dos depósitos, apesar de terem sido anunciados por alguns, uma remuneração de 2%…

Mas com muitas variantes. Há ofertas muito mal explicadas nas letras pequeninas.

Não é taxativo pagar os 2%?

Oferecem 2% de juros se tiver um cartão de crédito, um seguro, etc. É o chamado cross-selling. Se abater esses valores todos, como a anuidade do cartão de crédito, vai ver que não vai receber os tais 2%, porque uma parte será absorvida por esses outros produtos. Não me parece muito correto este tipo de vendas. Antigamente uma taxa era uma taxa.

Esse cross-selling acontecia nos créditos…

Sim para baixar, por exemplo, o spread. Agora com uma poupança, em que queremos rentabilizar qualquer coisa e indiretamente tiram parte desses juros? Não me parece nada correto.

 

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