Uma salada russa… na habitação!

Esta medida de aproveitar os prédios e os apartamentos devolutos, para que sejam compulsivamente alugados, é uma medida extraordinária.

Gosto de assistir a debates e mais debates sobre a habitação! As reportagens televisivas e jornalísticas são de uma honestidade intelectual elevadíssima! Os discursos que se têm produzido nos últimos tempos sobre as causas do problema da habitação em Portugal não têm comparação com qualquer outra matéria que tenha ouvido nos últimos tempos.

Em todos os discursos religiosos ou políticos, bem produzidos, têm de haver sempre os bons e os maus. Os maus, transformam-se sempre nos adversários… os tentadores… os infiéis… os acusadores…. Os bons, claro, somos sempre nós! Não haverá maior santidade na vida do que ‘nós’!

Então o grande problema da desgraça habitacional em Lisboa é dos alojamentos locais? Os turistas são os grandes adversários que nos vieram tirar as casas que tínhamos há uns anos ao nosso dispor para a nossa digna habitação? Os proprietários são os grandes infiéis da cidade porque só querem o máximo lucro?

Esta medida de aproveitar os prédios e os apartamentos devolutos, para que sejam compulsivamente alugados, é uma medida extraordinária… Aliás, quando tal medida foi anunciada, eu pensei, imediatamente, no ditado latino: ‘caridade bem ordenada começa por casa’. Se o Estado fizer o levantamento de todos os seus edifícios públicos devolutos, talvez comece a dar o exemplo para os outros proprietários.

Depois pensei: o Estado responsabiliza-se por tomar conta e a fazer obras e alugar a preços acessíveis as propriedades privadas? O Estado? Mas o Estado nem das propriedades públicas toma conta, quanto mais tomar conta da propriedade privada!

Lembrei-me, de repente, de uma visita que fiz a algumas famílias em prédios que são propriedade da Câmara Municipal de Lisboa. Entrei nos prédios e a primeira coisa que percebi é que não havia porta da entrada de alguns prédios… O elevador? Esse já não funciona há muito tempo…

Também me lembro, há alguns anos, de ter visitado famílias em apartamentos de prédios públicos cedidos pela Câmara Municipal de Loures… Esses, para além de não terem uma única porta a funcionar, naquele tempo, nem sequer as portas dos correios tinham.

Poderia continuar a dizer o que já vi e o que já presenciei. Poderia continuar a descrever a imensidão de prédios públicos que já visitei. Se o fizesse, muitos proprietários privados iriam perceber o lhes irá esperar num futuro próximo.

Vivo e trabalho, também, na Mouraria, no Castelo e em Alfama há cerca de treze anos. Quando ouço dizer que o grande demónio, o adversário, da habitação é o Alojamento Local por causa do turismo, penso na primeira imagem que tive da Mouraria em 2010, quando o Senhor Patriarca me mandou trabalhar para aquelas paróquias. Como diz um amigo meu, italiano, «parecia uma cidade saída da Segunda Guerra Mundial».

Os edifícios estavam – como ainda, hoje, estão muitos – completamente devolutos. Houve uma empresa que comprou dezassete prédios que eram propriedade da Segurança Social e estavam completamente destruídos com meia dúzia de habitantes a viver em condições indescritíveis. Ainda hoje, quem visita a dona Ana, pode ver que espécie de habitações eram aquelas que há meia dúzia de anos se podiam encontrar na Mouraria.

Muitos dos meus paroquianos saíram para habitar noutros locais, pagos pelos novos proprietários dos edifícios. Eu tinha uma paroquiana, com 92 anos, que pagava a modéstia quantia de 28 euros. Que podia, ali, fazer o proprietário?

Talvez fosse uma medida eficaz, se os proprietários pudessem pagar menos impostos alugando os apartamentos a famílias portuguesas! Isto porque os muitos estrangeiros que vêm para Lisboa viver e trabalhar à distância, encontram, aqui, o paraíso: ordenados ao nível do seu país e rendas ao nível do nosso…