Ai se Cristo descesse à Terra

Entretanto, tirando o Chega e consumando-se a troca de Catarina Martins por Mariana Mortágua, já todos os partidos da oposição mudaram de líder.

Entrámos na Quaresma. E se Cristo descesse à Terra e aterrasse em Portugal, não demoraria a repetir o que disse quando, crucificado e torturado às ordens de Pilatos, rogou a Deus olhando aos céus: «Perdoai-lhes, Pai, pois não sabem o que fazem».

Na segunda-feira, num jantar no Grémio Literário, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de «fixar» o dia em que o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho falou sobre o seu «horizonte politico».

Marcelo não se pronunciou sobre o futuro político de Passos Coelho, como fez questão de sublinhar nos dias seguintes, apenas se limitou a registar sonoramente a constatação do facto de o antigo líder do PSD ter acabado de o assumir.

Regresso à liderança do partido e de novo candidato a primeiro-ministro? Protagonista de uma candidatura a Belém e à sucessão de Marcelo? Ou, num plano mais imediato, cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu?

As mais variadas ‘teses’ sucederam-se com a rapidez dos memes nas redes sociais, que já ultrapassaram a velocidade da luz, tantos os iluminados que grassam na praça pública nacional.

Pedro Passos Coelho, pelos vistos, pode ser o que quiser.

Candidatar-se pode, com toda a certeza, porque o PSD dificilmente arranjaria melhor candidato a qualquer dos cargos.

Mas resta saber qual é mesmo o seu horizonte e se tem condições para lá chegar.

Candidato do PSD (com ou sem coligação) ao Parlamento Europeu ou candidato da direita à Presidência da República, basta-lhe manifestar disponibilidade para tanto que não lhe faltarão apoios.

Já quanto à liderança do partido e à candidatura a primeiro-ministro a coisa fia mais fino, ou não estivesse na presidência dos sociais-democratas um seu delfim, aliás apadrinhado com uma aparição pública, em plena festa do Pontal, no verão passado, que já foi mais do que reveladora de que, obviamente, Passos Coelho nunca deixou de ter um «horizonte político». Como também só o reforçou ainda na semana passada ao aparecer na capa de uma revista informativa (no caso, a Sábado), dando conta da sua ‘nova vida’ – ou seja, mais uma manifestação politicamente relevante.

Mas, claro, não faltam os cenários.

Basta, aliás, olhar para este último ano de suposta estabilidade inabalável atendendo ao facto de existir um Governo assente numa maioria absoluta de um só partido, o PS de António Costa.

Curiosamente, o cenário de eleições antecipadas começou no momento da posse do novo Governo, com o Presidente Marcelo a deixar o aviso claro ao secretário-geral socialista: qualquer chamamento europeu conduzirá à convocação de novas eleições antecipadas, considerando o Presidente que o Povo escolheu e mandatou António Costa como primeiro-ministro, não sendo o cargo transmissível a qualquer outra personalidade nomeada por este ou pelo PS.
Estava dado o mote.

Depois, eleito Luís Montenegro, avançou este com a campanha ‘Acreditar’ a apontar para 2026, ciente de que a legislatura mal estava a começar.

E logo apareceram previsões de confrontos entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, já que Fernando Medina ficara de fora da sucessão de Costa quando perdeu Lisboa e nem o cargo de ministro das Finanças lhe permitiria a redenção. 

A seguir, com as sondagens a continuarem a dar o PSD sem descolar, foi Pedro Nuno Santos quem passou a ter como eventual opositor nas legislativas seguintes precisamente quem destronou Medina na capital, Carlos Moedas, já falado como o mais provável sucessor de Luís Montenegro à frente do PSD no caso de os sociais-democratas sofrerem uma derrota nas europeias de 2024.

Entretanto, continuaram a suceder-se os ‘casos e casinhos’ no Governo e Pedro Nuno Santos caiu com estrondo do pedestal.

E Costa veio dizer que, afinal, está para ficar… até 2026 ou até ver.

Vale o que vale.

Mas valeu novos cenários, logicamente. Além PS, mas também dentro.

Com as declarações de Passos, uma derrota do PSD nas europeias já passou a poder significar a reedição do confronto de 2015.

Que chegou a ser equacionado para as Presidenciais de 2026, mas essas António Costa já excluiu mesmo e liminarmente: «Jamais!», em bom português.

Entretanto, tirando o Chega e consumando-se a troca de Catarina Martins por Mariana Mortágua, já todos os partidos da oposição mudaram de líder.

E passou apenas um ano.

E a legislatura ainda está quase no seu início.

Em política, num ano tudo pode mesmo acontecer. É muito tempo.

Mesmo num país onde o tempo parece nada mudar.

Como o prova o texto inédito de Sá Carneiro que o Nascer do SOL publica nesta edição.

Titula-se «Indiferença» e remete para a «crescente descrença» do povo nos seus políticos e nos seus dirigentes e «se liga ao conformismo tradicional dos portugueses».

Vale a pena ler e tentar perceber as diferenças. Ou melhor, as semelhanças entre o «situacionismo» de então e o de agora, «a unir os neófitos aos experimentados beneficiários».

Já escrevia Sá Carneiro: «A ‘imagem’ desempenha nisto tudo um papel importante. O integral-situacionismo exige hoje uma imagem de esquerda, podendo, atualmente, ir até à imagem moderada, civilizada ou europeia. / Para atacar o adversário que não entra no jogo do poder, usa-se criar-lhe uma imagem de direita, que o liquidará, ou uma imagem radical, que o desacreditará».

Ai se Cristo descesse à Terra e aterrasse em Portugal!