O PCP regrediu?

Não se percebe se o PCP tem saudades da Guerra Fria ou se não entende que o seu aliado desapareceu…

Por Francisco Gonçalves

Negar a importância histórica do PCP no último século de Portugal tem tanto de absurdo como de desonesto. A resistência militante contra o Estado Novo foi fundamental para organizar e agregar os opositores do regime, ainda que a alternativa defendida não fosse uma democracia liberal como aquela que quase todos defendemos.

Todavia, nos últimos anos, o PCP encontrou desafios diversos à sua ação política, que muito tem dificultado o seu caminho: o surgimento de uma força política de esquerda ‘moderna’, a necessidade de apoiar uma solução do governo do PS e o surgimento de um populismo de direita que entra em áreas que eram suas. 

Por saber das dificuldades, o PCP elegeu como líder Paulo Raimundo, mais próximo das suas bases e das origens operárias, do que João Ferreira, Bernardino Soares ou João Oliveira. Todos os anteriores seriam escolhas mais óbvias, do ponto de vista popular, mas provavelmente não tão eficientes na ‘ligação à terra’ que os membros do comité central imaginam ser necessária nos próximos anos: mais do que crescer, manter. Ou, em linguagem marxista, «dar um passo atrás, para dar dois à frente».

No meio de todos os problemas do PCP, surgiu uma guerra no quadro europeu que expõe as limitações e o anacronismo na forma como o partido vê o mundo. Na última semana, o PCP apresentou uma moção na Assembleia Municipal de Oeiras defensora da paz, a qual, subtilmente, deixava escapar o anacronismo da posição do partido em relação à guerra da Ucrânia, ao defender o respeito pela ata final de Helsínquia.  

A ata final de Helsínquia mais não fazia do que reconhecer e cristalizar as ‘esferas de influência’ da Guerra Fria no continente europeu. Isto é, reconhecia o ‘status quo’ político decorrente do final da II Guerra Mundial e a divisão do continente. Ao fazê-lo, reconhecia também a ‘doutrina Brezhnev’, ou ‘doutrina da soberania limitada’, que permitia à, então, URSS, intervir no território dos países do bloco de Leste.

Esta posição levanta, desde logo, dúvidas sobre qual a posição a adotar em relação a Estados como a Bulgária, Chéquia, Eslováquia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia e Roménia. Estes países, devidamente integrados na UE e NATO – acredita-se – de livre vontade, regressariam à esfera de influência russa? Se aquela posição vingasse, a Rússia seria livre de intervir no ‘estrangeiro próximo’. Curiosamente, esta é a base da argumentação de Putin para reconstruir o seu império. 

Não se percebe se o PCP tem saudades da Guerra Fria ou se não entende que o seu aliado desapareceu. A Rússia atual, e a sua pulsão imperialista, não tem raízes ideológicas. Tem, sobretudo, uma base nacionalista, inaceitável nos tempos atuais.

Percebemos as dificuldades atuais do PCP, e o regresso à base para a sua reorganização, mas não pode ser este o caminho. Não podemos, ao mesmo tempo, defender a igualdade soberana entre os Estados e admitir a existência de limitações de soberania próprias do século XIX.

O PCP tem de escolher se quer continuar a ser uma força política central na sociedade portuguesa ou se este regresso à base, muito mais do que um passo atrás, é um enquistamento em defesa não do futuro, mas de um mundo obsoleto, que já desapareceu.