Histórias de Abril

Se o Colégio Militar tem boas condições e há Escolas com más condições, o vosso dever é tornar as outras escolas melhores e não destruir a qualidade desta. 

Por Roberto Dória Durão, ex-aluno do colégio militar e professor

Ouço, com frequência e, confesso, com algum orgulho, que foi o meu Curso (1969/76) que aguentou o Colégio no pós 25 de Abril, impedindo várias tentativas de o destruir e terminar.

Vou aqui recordar uma delas.

A célebre Sessão de Esclarecimento pós 25 de Abril em que irei omitir os nomes dos intervenientes, acreditando que se terão arrependido. 

Serão, então, o coronel X e o Capitão Y.

Esta sessão aconteceu e, por ter acontecido, constitui um facto histórico que deve ser contado até para evitar desvarios similares no futuro.

A estratégia da esquerda de destruir todos os pilares sólidos de uma sociedade, é, sobejamente, conhecida e estudada. 

Valores morais, familiares e Instiuições fortes e unidas são os primeiros alvos. 

Era uma tarde de 1975 e todo o Batalhão fora convocado para o Ginásio onde decorreria uma importante Sessão de Esclarecimento de carácter revolucionário e, por isso, revestida da maior importância.

Todos sentados, tomou a palavra o coronel X que referiu encontrar-se o país num período revolucionário de extrema importância que ia devolver ao Pôvo a liberdade e o progresso, até aí impedidos, bem como terminar a Guerra no Ultramar.

Disse ser ex-aluno e ter trazido outro ex-aluno à Sessão e que, juntos, iam tecer algumas considerações sobre o Colégio que nos educava e urgia seguir um rumo novo.

Apresentou-se, então, o Capitão Y:

– Olá a todos. Sou, também, ex-aluno e estou aqui para, convosco, reflectir um pouco sobre o que é o Colégio.

Eu gostei de cá andar mas temos de concordar que o Colégio é uma escola de élite e, todos nós, somos uns privilegiados e que isto tem que mudar.

Há várias escolas que não têm as condições que temos aqui nos Colégio, algumas estão muito deterioradas. 

Levanta-se um miúdo que, por estar fardado de pano (farda n.º 1) devido ao aniversário da mãe, sobressaía na mancha de cotim (farda de trabalho) da plateia:

– Sr. Coronel e Sr. Capitão:

Sou o Fernando Paes Afonso e estou com o meu irmão aqui no Colégio porque a nossa mãe nos pôs cá.

Não percebo o vosso raciocínio.

Estamos todos aqui porque os nossos pais, vossos camaradas, estão a combater pela nossa Pátria no Ultramar. 

Em que é que estarmos aqui internados faz de nós privilegiados e onde está o elitismo disso?

E mais. 

Se o Colégio Militar tem boas condições e há Escolas com más condições, o vosso dever é tornar as outras escolas melhores e não destruir a qualidade desta. 

Inicia-se um grande burburinho e, lá atrás, o meu Curso começa a ferver.

Ouvem-se vários insultos:

– Comunas! 

– Daqui para fora. 

– Não vos queremos cá.

E foram corridos a pontapé até à Porta de Armas.

Foi assim bem esclarecedora aquela Sessão de Esclarecimento.

Anos mais tarde, num vôo TAP para o Rio de Janeiro, sou chamado pelo comandante ao cockpit. 

Era meu amigo e queria cumprimentar-me:

– Estás bom, Durão? Apresento-te um camarada meu da Força Aérea, o Capitão Y.

Interroguei-me. Y? Será o mesmo?

Mas mantive-me calado.

A conversa era sobre quadros e negócios de arte.

Dizia o Y:

– Estive agora em Nova Iorque numa exposição onde vendi uns quadros por não sei quantos milhares e vou agora ao Rio onde espero vender mais alguns por outros tantos milhares.

Entretanto, no meio destes milhares todos, dirige-se a mim perguntando o que era eu aos Durões militares e ex-alunos do Colégio.

Respondi ser filho e sobrinho e ser, também, ex-aluno.

– Eh pá! Se és ex-aluno podes tratar-me por tu (tradição entre ex-alunos que incrementa a proximidade e os laços que nos unem).

Retorqui:

– Esclareça-me uma coisa. Era você o Capitão Y da Sessão de Esclarecimento de 1975?

Interrompeu-me, imediatamente, dizendo:

– Eh pá! Isso foi tudo mal entendido, foi uma fase complicada.

Aí interrompi eu:

– Muito bem. Primeiro acho interessante que anos após aquela conversa de elitismo, de sermos uns privilegiados e da vil tentativa de destruir o Colégio, eu estar a ouvir, agora, esta conversa de tantos milhares.

Ora esses milhares não têm qualquer problema.

Agora é, sem dúvida, uma nova fase. 

E que nova fase!

Pois o Colégio continuou fiel a si próprio sem se deixar manchar por esses sujos ‘ventos’ revolucionários.

E, já agora, faço questão de nunca nos tratarmos por tu.

E retirei-me.