A Igreja não tem direito à presunção de inocência?

O que está a ser feito nos outros locais? Em internatos, por exemplo. Há algum estudo de quantas crianças são violadas nesses espaços? E nas escolas? Estão a ser dadas aulas de verdadeira cidadania, explicando às crianças que não devem ter medo de denunciar abusos sexuais, mesmo que os mesmos sejam dentro das famílias? Não…

Em política, que é um espelho da sociedade, discute-se a espuma dos dias. Agora o que está a dar são os crimes hediondos praticados por padres e outras personagens ligadas à Igreja Católica. Se é imprescindível que se investigue tudo para que se consiga fazer das igrejas aquilo para o que elas existem, lugares sagrados, seria interessante o Governo e os partidos da oposição darem um passo à frente e alargarem a discussão dos abusos sexuais a outras instituições, onde, supostamente, se cometem os mesmos crimes. A Igreja vai ser obrigada a mudar os seus procedimentos e o que está anunciado demonstra que vai no bom caminho, mas o que está a ser feito nos outros locais? Em internatos, por exemplo. Há algum estudo de quantas crianças são violadas nesses espaços? E nas escolas? Estão a ser dadas aulas de verdadeira cidadania, explicando às crianças que não devem ter medo de denunciar abusos sexuais, mesmo que os mesmos sejam dentro das famílias? Não creio que alguém se preocupe com isso, pois a Igreja Católica é um alvo muito mais apetecível. Não me recordo – e volto a repetir que os crimes cometidos pelos padres são execráveis – que se tenha feito alguma vez um julgamento popular como este que está a ser feito a toda uma instituição, como se todos fossem pedófilos e não merecessem o benefício da dúvida.

Será que as pessoas ainda se recordam do que aconteceu aquando do caso Casa Pia, em que os testemunhos das crianças violadas até davam pormenores físicos dos abusadores – tendo alguns feito cirurgias plásticas para os remover – e a comunicação social que tratava do caso era achincalhada, dizendo-se que estava ao serviço do partido A ou B?

Para que não fiquem dúvidas, defendo que as responsabilidades (criminais) na Igreja devem chegar a todos os que encobriram os casos, sejam eles padres ou bispos, e que os suspeitos devem ser todos afastados temporariamente até se saber se são ou não culpados. Só que a hierarquia da Igreja, que em Portugal, à semelhança dos outros países católicos, não tem um líder, esse é o Papa, deve saber comunicar de uma forma clara. «Recebemos X número de denúncias e muitas são cristalinas. Esses têm de ficar já à guarda da Justiça, no caso de ainda não haver prescrição, mas nas denúncias anónimas com poucos elementos, os sacerdotes são afastados por precaução até se provar a sua inocência ou culpa».

A Igreja diz, e lá terá as suas razões, que a larga maioria dos casos denunciados pela Comissão Independente se referem a anos longínquos. Mas é preciso não esquecer que a maioria das denúncias surgem muitos anos depois. Isto é: tenham mesmo tolerância zero a eventuais suspeitas e investiguem e comuniquem às autoridades judiciais todos os casos de quem tenham conhecimento. Esperemos que o resto da sociedade faça o mesmo.

 

P. S. É um lugar comum, mas na vida vai-se do inferno ao céu com uma facilidade impressionante. Há duas semanas, o Liverpool foi esmagado em casa pelo Real Madrid. Depois de estar a ganhar por 2-0, acabou goleado pela equipa espanhola. Ao ouvir os comentários no final do jogo, lá surgiram as sentenças definitivas: ‘O Liverpool está acabado e tem de começar uma nova era’. Uns dias depois, o mesmo Liverpool cilindrou o Manchester United por 7-0 e voltou a ser o maior. Esta história é uma bela metáfora dos dias que correm. O direto ultrapassa tudo e as pessoas não têm tempo para pensar, pois disparam mais rápido do que o cérebro pensa. No fundo, anda tudo atrás dos soundbites, dos likes e dos coraçõezinhos nas redes sociais.

vitor.rainho@nascerdosol.pt