Habitação: setor à beira de um ataque de nervos

Medidas do Governo não convencem o mercado e responsáveis apontam críticas. Consulta pública termina dia 13, prolongando-se até ao dia 24 no caso das medidas que sofreram alterações.

Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira

A consulta pública para as medidas da habitação anunciadas pelo Governo deveriam terminar, no seu todo, no dia 13. Mas o Executivo decidiu fazer algumas mudanças, prolongando o prazo na sequência de um pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), na parte que diz respeito às propostas de lei.

Essa parte da legislação «ficará assim em consulta pública até 24 de março, sendo depois aprovada no Conselho de Ministros de 30 de março, após o qual seguirá para a Assembleia da República».

Mas, informa o Ministério da Habitação, os restantes diplomas – referentes aos apoios do crédito habitação e das rendas – «terminam a consulta pública a 13 de março, como já estava previsto, e serão aprovados no Conselho de Ministros de 16 de março. Desta forma, o Governo garante que os apoios às famílias chegam ao terreno rapidamente». 

Francisco Bacelar, vice-presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), defende que estas medidas são um «pacote de boas intenções para resolver um problema antigo, mas sem a maturação e equidade que a solução exige», defendendo que apesar de algumas boas medidas «contrasta com outras nos seus antípodas, que têm provocado contestação do setor, por serem incompreensíveis, e nalguns casos difíceis de passar no crivo do Parlamento, ou do Tribunal Constitucional». Ainda assim, Francisco Bacelar lembra que «para já, não passa de uma apresentação de ideias que estão em consulta pública, esperando-se que possam ser melhoradas com os contributos de todos os interessados».

Ainda assim, confessa que esperavam mais que o apresentado «bem como menos intervenção do Estado, que não nos parece a melhor forma de revolver o problema, quando vai para além de incentivos fiscais aos intervenientes que favoreçam a construção e o arrendamento».

Questionado sobre qual a solução para a falta de habitação, Francisco Bacelar diz que se há uma coisa que este programa teve de bom foi o facto de o problema voltar a ser assunto. «Mesmo não acertando em boa parte das medidas que propõe, permitiu que no debate surgissem outras. Uma mais felizes e eficazes que outras, mas tendo que sugerir algumas soluções diria que uma das mais importantes será construir para arrendar, seja Estado, cooperativas, investidores privados ou fundos dedicados a esta atividade», diz ao nosso jornal.

E continua: «Só medidas de apoio e incentivo fiscais a este tipo de investimento poderão e deverão conseguir resolver o problema latente de forma relativamente rápida, e em número suficiente para estabilizar preços, e criar condições às famílias para o arrendamento».

Para garantir a agilização destes processos, «seria importante que o Estado disponibilizasse a estas entidades em condições de venda ou ocupação por determinado número de anos, os terrenos ou imóveis que possui em sítios estratégicos, ao mesmo tempo que permitisse licenciamentos tácitos dos projetos mediante responsabilização dos projetistas». Em simultâneo, acrescenta, «incrementasse o mesmo tipo de aprovação na construção em série de casas pré-fabricadas, de construção mais rápida, económica e sustentável, e como tal muito mais acessível aos vencimentos da maioria dos que delas necessitam, e não chegam aos valores que estão a ser praticados quer na compra, quer no arrendamento que, de resto quase não existe por falta de oferta».

O vice-presidente da ASMIP destaca também a necessidade de o Estado intervir pouco mais do que nesta disponibilização de imóveis e agilização legislativa, «bem como em incentivos fiscais e/ou subsídios a quem deles precise. Tudo o resto, deverá ser iniciativa de privados movidos pelos incentivos criados, fazendo que o mercado funcione mais e melhor do lado da oferta, que é onde mais é necessário para suprir a escassez e garantir estabilização de preços».

Quem também deixa algumas críticas às medidas é a Associação dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), que diz que o programa foi apresentado «em escassos bullet points», acrescentando que, desde o dia em que foi apresentado, a sociedade civil, os representantes dos vários partidos políticos, os stakeholders da habitação «tiveram de basear as suas propostas com acesso apenas a pequenas frases, parangonas e pequenos chavões divulgados aquando da apresentação deste programa depois do Conselho de Ministros de 16 de fevereiro».

A associação não tem dúvidas de que a forma como o processo de consulta pública está a ser gerido «está a inviabilizar qualquer tomada de posição esclarecida e elucidativa por parte dos interessados, num processo que se queria participado, de debate vivo e dinâmico de todos os interesses em presença, num tema sério e que toca à maioria dos portugueses, o acesso à habitação». E lembra que o Presidente da República veio reconhecer que o pacote «de chavões e parangonas apresentado não permitia minimamente perceber qual a verdadeira intenção e medidas do Governo para resolver o problema da habitação».

O prazo apertado que o Governo tem para analisar as propostas também é alvo de crítica: «Que avaliação pode o Governo fazer destas propostas se entre o prazo de entrega e o Conselho de Ministros decorrem apenas dois dias?», atira a APPII, acrescentando que o atraso do Governo na disponibilização da Proposta de Lei «prejudica de forma grave o espaço de ação de quem queira contribuir para a melhoria desta proposta de lei».

E as reservas não se ficam por aí: «A APPII exige que o problema da Habitação em Portugal seja tratado de forma séria, para que possam surgir medidas concretas, que envolvam todos os interessados na resolução deste grande desígnio nacional», afirma Hugo Santos Ferreira, presidente executivo da APPII. «Como quer o governo que o problema da habitação seja visto quando reserva apenas dois dias para estudar as propostas resultantes da consulta publica? Como é que os portugueses e os investidores nacionais e estrangeiros vão interpretar esta questão?».

‘Não há crise na habitação’
António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, diz que ainda não falou com o Governo sobre as várias medidas com as quais não concorda. «O Governo não liga patavina às questões que colocámos a esta política em relação aos proprietários que está a ser seguida. Ao mesmo tempo, dizem que vai haver subsídios para isto e para aquilo e as casas até vão ser arrendadas mas, ao mesmo tempo, impõe o arrendamento coercivo, que é uma coisa que não aceitamos», declara. «Naquilo que é meu ninguém toca», avisa. Frias Marques acredita, porém, que no final irá prevalecer o bom senso.

Do lado dos inquilinos, o secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses defende que só em Lisboa se das 50 mil casas vazias 10% fossem colocadas no mercado «estaríamos a falar de cinco mil, o que resolveria os problemas de muitas pessoas». António Machado diz que «as medidas do Governo podem estar cheias de boas intenções, mas há um aspeto que convém realçar e que está relacionado com a não resolução do pecado original do que se está passar que é a não revogação da lei Cristas de Passos Coelho – a célebre lei dos despejos – que veio desarticular de forma profunda o mercado de arrendamento e cujos reflexos estão na ordem do dia». 

Já o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal acusa o Executivo de procurar «um bode expiatório que pode custar quase metade do turismo».

Eduardo Miranda não tem dúvidas que «ficou claro que há uma intencionalidade do Governo em acabar com a atividade do alojamento local (AL). No desespero da pressão por habitação, procuram um bode expiatório que pode custar quase metade do turismo», acrescentando que «o conjunto de propostas não foi uma ideia mal pesada por uma área do Governo, a habitação, que não percebe nada da economia e turismo» e que foi «uma proposta estudada e desenvolvida ao detalhe e aprovada em Conselho de Ministros. Há medidas que matam o AL a longo prazo, mas há outras que matam já, a curto prazo».

O que diz o PSD?
Entretanto, o PSD apresentou dez diplomas legislativos na Assembleia da República sobre a habitação e acusou o Governo de ter uma «solução profundamente errada» para este problema «grave» que afeta o país. Os sociais-democratas apontaram vários erros ideológicos ao programa e propõem que o Estado possa avançar com uma garantia pública que substitua a entrada na compra de uma casa para jovens até aos 35 anos. A proposta – que é da JSD – prevê que a garantia represente até um máximo de 10 % do valor do imóvel (que não exceda os 250 mil euros).
E defendem também a redução da taxa liberatória dos rendimentos prediais para o arrendamento habitacional (de 28 para 23%), a isenção de IMT nas vendas de imóveis até 168 mil euros e o reforço das deduções do pagamento de rendas e de juros no crédito à habitação, em sede de IRS.

O PSD apresentou ainda uma proposta para a criação de um subsídio de arrendamento, destinado a agregados familiares com rendimentos até ao sexto escalão de IRS (cerca de 38 mil euros), e com uma taxa de esforço igual ou superior a 33%.

Na lista de dez diplomas – sete projetos-lei, uma deliberação e duas recomendações ao Governo – está prevista também a aplicação da taxa mínima de IVA de 6% para obras e reabilitação de prédios habitacionais, uma medida a implementar entre 2024 e 2030. O debate, no Parlamento, sobre este pacote de iniciativas terá lugar no próximo dia 15.