Marcelo, o inquisidor mor

Deverá o senhor professor lembrar-se do que aconteceu no decorrer do processo Casa Pia quando elementos do Partido Socialista o tentaram envolver, como fica demonstrado nas escutas da época, naquele imenso esterco. 

Se antes poderíamos pensar que o nosso presidente da República era achacado de beatice, não é precipitado agora concluir-se que Marcelo vai muitíssimo mais longe e tem um espírito de inquisidor. Vem isto a propósito das afirmações que este teceu, no sábado, à margem do Congresso Extraordinário da Liga de Bombeiros sobre a já célebre lista de padres pedófilo na Igreja, e sobre a posição desta sobre a sua suspensão cautelar desses sacerdotes: "Entendo que é uma questão tão óbvia, tão óbvia, tão óbvia de prevenção e tomada de medidas cautelares para acautelar possíveis novas vítimas e acautelar os próprios eventualmente envolvidos, que penso que uma reflexão atenta levará a que se faça aquilo que num primeiro momento, a meu ver incompreensivelmente, não se fez.”

Ora é precisamente isto que os bispos das várias dioceses estão a fazer. Mas parece que não chega. O povo e as elites têm a necessidade, na sua miserável solidão, de assistir e inspirar o cheiro a carne queimada. Mas se Marcelo, a seguir à Conferência da CEP, teve dúvidas, tivemos todos, talvez porque a Igreja, no seu silêncio secular se tenha colocado a jeito, ontem, bastava apenas fazer a resenha e contabilidade dos vários comunicados que iam chegando das dioceses, para inverter a análise. D. José Ornelas, afinal, não tinha mentido. A Comissão Independente apenas entregara aos bispos uma folha com uma única coluna onde os nomes cresciam como a massa na canja. Umas vezes a identidade dos suspeitos estava completa, outras não. Nem datas, nem crimes imputados.

Senhor presidente, que estais em toda a parte, como se podia assim suspender alguém? Só por obra do diabo ou dos seus, muito exclusivos, cahenhos de direito!

Metendo a fé de lado– e o senhor presidente que me conhece há três décadas bem sabe que lhe dei dispensa, proponho-me, cingida aos factos como unha e carne, analisar apenas os números que à hora que escrevo não diferem muita dos que já tinha obrigação de conhecer quando ontem botou faladura. Vejamos, pois, o que eles ditam. Nas 17 dioceses já escrutinadas, que correspondem a 83 alegados pedófilos, 31 feneceram, 11 estão na mandrana, cinco foram, para seu gosto, suspensos no seguimento da entrega da lista,um outro já tivera caminho idêntico segundo as regras canónicas e os restantes já estavam de contas feitas com a justiça sem que factos novos, por hora, fossem merecedores de mais diligências. Mas os dados mais intrigantes, que um homem das leis como o senhor presidente não podia ignorar, é que dos 13 padres no ativo, que se circunscrevem a Lisboa e Porto, as dioceses estão ainda à espera que a Comissão Independente informe de que crimes são eles suspeitos. Se os houver. Porque já tudo é espectável como se pode retirar do comunicado da diocese de Coimbra que afirma que um dos sacerdotes que lhes saíra na rifa, e após o pedida de informação suplementar à Comissão Independente conclui não ter sido praticada “ nenhuma forma de abuso sexual.”

Como diz o provérbio cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém e o senhor presidente, mais do que ninguém, tem razões para não se precipitar. Deverá o senhor professor lembrar-se do que aconteceu no decorrer do processo Casa Pia quando elementos do Partido Socialista o tentaram envolver, como fica demonstrado nas escutas da época, naquele imenso esterco. Não fosse a malha fina da justiça e ter-lhe-ia acontecido o mesmo que ao João Ratão.

Por isso eu prefiro concluir que o senhor presidente é muito boa pessoa, não desfazendo; mas não tem os cinco alqueires bem medidos