É mesmo de Passos Coelho que a direita precisa?

Duma coisa não há dúvida: Passos, hoje, vence o PSD seja contra quem for. O que poderá muito bem acontecer em breve, se Montenegro se espalhar ao comprido nas europeias. Porém, como é sabido, a direita moderada (apelidada, nos dias de hoje, de “direita fofinha”) – que é, até à data, a única direita capaz…

por Jorge Costa Rosa 

É cada vez mais incompreensível a (falta de) estratégia do PSD de Montenegro e, talvez por isso, exista tanta vontade – personificada na figura messiânica de Pedro Passos Coelho – de regressar ao passado. E este, verdade seja dita, tem feito de tudo para não deixar morrer esse “bichinho” na cabeça de quem o quer de volta, criando (propositadamente) uma aura de mistério e de suspense, e alimentando as esperanças dos “passistas” – espalhados actualmente por todos os partidos à direita do PS.

O sempre bem informado Luís Marques Mendes, afirmou a semana passada que o seu companheiro de partido estará mesmo mais inclinado para São Bento do que para Belém. O que dará, sem dúvida nenhuma, muito mais jeito ao próprio Marques Mendes – que, com Portas na Administração da Mota-Engil, ficaria com o caminho livre para ser o candidato da direita tradicional para sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas considerando que não se trata de um wishful thinking de Marques Mendes, levemos então essa eventual candidatura a sério.

Duma coisa não há dúvida: Passos, hoje, vence o PSD seja contra quem for. O que poderá muito bem acontecer em breve, se Montenegro se espalhar ao comprido nas europeias. Porém, como é sabido, a direita moderada (apelidada, nos dias de hoje, de “direita fofinha”) – que é, até à data, a única direita capaz de vencer eleições – entrou, se bem me lembro, em falência eleitoral no ano de 2015. Precisamente na “era Passos”.

Ao contrário do que defende a ala sebastianista, que clama pelo regresso de Passos Coelho para que o PSD volte a ganhar eleições, basta fazer uma ligeira análise aos resultados das Eleições Legislativas de 2015 para perceber que, não obstante a direita toda junta – à data PSD e CDS – tenha vencido as eleições, aquele foi, simultaneamente e até então, o segundo pior resultado eleitoral para a direita como bloco político. Só ultrapassado pelo aparatoso resultado de Santana Lopes, que deu a maioria absoluta a José Sócrates dez anos antes.

Todavia, o resultado de 2015 foi, como sabemos, camuflado por dois factores que tão bem mascaram esse desaire:

i) a coligação pré-eleitoral do PSD de Passos com o CDS de Portas;

ii) e um resultado tímido e fraco do Partido Socialista, fruto do melhor resultado de sempre do Bloco de Esquerda (10,19%) e duma percentagem bastante sólida para o (agora cada vez mais débil) PCP – 8,25%. Ou seja, fruto duma fragmentação à esquerda.

Mas é precisamente naquele acto eleitoral que o CDS começa a caminhar para a sua morte lenta – depois do qual Portas, astuciosamente, sai de cena – e que o PSD começa a definhar de forma ainda mais gradual. É efectivamente no rescaldo destas eleições que a direita inicia o seu PFEM – “Período de Fragmentação Em Curso”. Tanto assim é, que nas Autárquicas de 2017, a direita tradicional – ainda com Passos à cabeça – obteve o pior resultado da sua história, com uma vitória esmagadora do Partido Socialista.

Ora, por muito que Passos Coelho – como candidato – nunca tenha perdido uma eleição contra António Costa, é justa ou injustamente o rosto da austeridade e do Governo da Troika (e sobretudo, da narrativa paternalista e suicida do “ir para além da Troika”).

Desta sorte, Passos acabou inevitavelmente por ser a cara da decadência da direita moderada tradicional no nosso país. Mas não só. Foi também, involuntariamente, o responsável pela sua fragmentação, perdendo o centro – que, que eu saiba, é onde se ganham eleições – e entregando-o de bandeja a António Costa.

É certo que não conheço ninguém que com Passos se tenha cruzado – apoiantes e opositores internos e externos – que não fale dele com um profundo respeito e com a noção de que já não se fazem políticos com aquele carácter, honestidade e retidão. Mas do ponto de vista analítico e pragmático, foi Passos que implantou no eleitorado a ideia (falaciosa) que a Direita se resume a “cortar” e a mandar “apertar o cinto”. Mas foi mais longe, conseguindo fazer pior do que isso. Conseguiu semear na própria Direita a ideia de que é esse o seu único propósito e o seu primordial papel: “contas certas”, “não viver acima das possibilidades” e, de preferência, “sem pieguices". E a direita fez-lhe a vontade e perfilhou esse discurso que teima em largar.

Devido à sua comunicação desastrosa e (tantas vezes) insensível, e à sua narrativa frugal e espartana, Passos ficou “queimado” para a maioria dos portugueses – que ficaram “escaldados” com a sua governação. Depois disso, o lema “a culpa é do Passos” foi destilado até à exaustão nas bocas dos seus detratores e opositores políticos, assim como do lado oposto da barricada, não tardaram a surgir vozes bafientas a propagar que “o que fazia falta a Portugal era um Passos Coelho” – tal qual disseram a vida inteira sobre Salazar.

Como acontece quase sempre, ambos os pólos – entrincheirados nas suas bolhas impermeáveis à maçada do contraditório – erraram manifestamente na sua análise. Não, a culpa não foi de Passos. Não foi ele o responsável pela falência técnica do país, nem pelo pedido de ajuda ao exterior. Passos limitou-se a cumprir um memorando de entendimento e a aplicar as medidas exigidas pelo “triunvirato”. E apesar da narrativa (muitas vezes) salazarenta e paternalista que optou por adoptar, também não foi muito para além do exigido pela Troika – como grosseira e estupidamente anunciou.

Porém, por essa mesma linha de raciocínio, Passos também não foi o herói que nos salvou da bancarrota e dos braços asfixiantes da ajuda externa. Como diz, e bem, quem o defende: ele limitou-se (mesmo) a cumprir o memorando. Ora, se não tem culpa e se se limitou a cumprir o que lhe ditaram, pela mesma ordem de ideias, também não tem mérito.

Passos limitou-se, pois, a administrar Portugal sob a orientação e as ordens do FMI e companhia. Sem autonomia, sem programa, sem vontade própria, como um mero administrador de condomínio, qual delegado de turma obediente e disciplinado. Assim sendo, e tendo em conta que não teve oportunidade de governar por si, com o seu programa e com as suas ideias e propostas, como é que podemos reclamar para ele o papel heróico do Salvador da Pátria? Não podemos. Tanto assim é, que os que o querem de volta, não se cansam de argumentar que Passos nunca teve verdadeiramente a oportunidade de governar com a sua visão para o país.

No que ao seu regresso diz respeito, a principal vantagem política de uma eventual candidatura de Passos seria o facto de ser provavelmente ele, aos dias de hoje, o mais capaz de galvanizar e mobilizar toda a direita, apresentando uma alternativa ao Governo socialista – inexistente até ao momento. E, consequentemente, travar o crescimento do CHEGA, abafando André Ventura. Mas se é certo que conseguiria unir a direita – incluindo a mais radical – Passos deixaria o centro (mais uma vez) de mão beijada para o Partido Socialista.

Por tudo isto, não só tenho sérias dúvidas que Passos seja capaz de vencer umas eleições legislativas devido a este seu legado (que faz tremer das pernas pensionistas e enraivecer funcionários públicos), como considero muito pouco desejável que a direita viva anos e anos à sombra de líderes que já não tem, e à espera de fantasmas que já não voltam. A questão que se coloca é a seguinte: quando é que a direita decidirá deixar de olhar para os líderes do passado, e conseguirá afirmar – de uma vez por todas – um líder de futuro?

Por vezes, parece importante relembrar a essa direita saudosista, que anseia desesperadamente pela manhã de nevoeiro na qual regressará o “D. Sebastião Laranja”, que D. Sebastião só nunca voltou, porque morreu em Alcácer-Quibir.

Passos Coelho é, hoje como sempre foi, a personificação política do velho do Restelo – um rosto pessimista e condescendente que está associado a uma narrativa paternalista, “poupadinha” e sem esperança no discurso. É mesmo disso que a direita e Portugal precisam?