Num Governo de ‘anões’, a culpa é do mordomo

Viveram-se sete anos de ilusão, que até permitiram a conquista eleitoral de uma maioria absoluta, mas essa ilusão nunca foi a consequência de políticas internas verdadeiramente reformistas e progressistas, mas antes o resultado da gestão monetária do BCE e do apoio, mal aproveitado, dos apoios financeiros da União Europeia.

O Nascer do SOL publicou na sua edição de 3 de março, um texto inédito de Francisco Sá Carneiro, datado de 3 de janeiro de 1978, onde se discorre sobre a indiferença dos portugueses perante as dificuldades políticas, económicas e sociais, vividas nesse ano.

Independentemente do grau de adesão ao ‘modelo’ político do líder do PPD, quem ler este texto não pode deixar de revelar uma enorme surpresa e, mesmo, emoção, pois o escrito relata, quase na perfeição, a situação que vivemos em 2023.

Com a agravante de que hoje não temos, infelizmente, os gigantes políticos dessa altura, que além de Sá Carneiro, eram Mário Soares, Salgado Zenha, Freitas do Amaral, Amaro da Costa e, até, Álvaro Cunhal, que davam a garantia de que o país encontraria um projeto de desenvolvimento.

Infelizmente a indiferença, o desinteresse e a apatia são, hoje, as componentes dominantes do comportamento da maioria dos portugueses como é demonstrado pelas sondagens mais recentes que revelam uma grande rejeição do governo, mas um desejo (envergonhado?) de que o mesmo cumpra o seu mandato.

Neste espaço tem-se falado, recorrentemente, de ‘bater no fundo’ e de ‘crise moral’ e é disso exatamente que se trata, desde que (em 2015) através de um estratagema habilidoso, mas inqualificável, António Costa conseguiu conquistar o poder.

Viveram-se sete anos de ilusão, que até permitiram a conquista eleitoral de uma maioria absoluta, mas essa ilusão nunca foi a consequência de políticas internas verdadeiramente reformistas e progressistas, mas antes o resultado da gestão monetária do BCE e do apoio, mal aproveitado, dos apoios financeiros da União Europeia.

Agora, chegada a hora da verdade, o desânimo começa a instalar-se e provoca um crescente e profundo grau de indiferença perante o interesse público.

Uma minoria, que ainda retém as ‘rendas’ provenientes do emprego ‘certo e para a vida’, da especulação imobiliária, das sobras do turismo e de um ou outro projeto individual de relativo sucesso, goza as suas férias, frequenta os seus concertos e considera-se, panglossianamente, no melhor dos mundos.

Mas uma esmagadora maioria desespera com as despesas fixas que já não pode suportar, teme o risco, cada vez mais real, do desemprego, corta na alimentação, não tem condições para tratar dignamente dos seus idosos e começa a frequentar, envergonhadamente, a sopa dos pobres.

O ministro Medina vai lembrando, dia sim, dia não, que foram batidos recordes no crescimento económico e que a dívida pública não cessa de descer, representando agora ‘só’ 114% do PIB, sem informar que a mesma passou de 240 mil milhões no início de 2015, para 273 mil milhões no final de 2022, o que, face à recente, continuada e futura subida das taxas de juro, a torna ainda mais insustentável.

Tudo estaria bem e faria sentido, se o aumento da dívida tivesse correspondência na produtividade da economia, na eficiência dos serviços públicos e no aumento dos apoios sociais prestados aos mais carenciados. Mas nada disso aconteceu.

Era claro desde 2015, pelo menos para os mais atentos, que a habilidade eleitoral de Costa tinha tudo para acabar mal e os últimos meses confirmaram essa certeza, até porque o Governo, limitado por acontecimentos exógenos, deixou de poder controlar a narrativa que construíra, e passou a exibir a verdadeira natureza da sua incapacidade.

Há problemas com a demissão de ministros e secretários de estado, mesmo que outros tantos fiquem em posição ainda mais delicada? Inventa-se um questionário absurdo que serviu dias a fio para alimentar as capas dos jornais e as aberturas dos noticiários televisivos e agora, dada a sua irrelevância, caiu no rol do esquecimento.

A situação social começa a degradar-se (o crescimento económico aproxima-se do zero, o desemprego dá sinais de disparar afetando essencialmente os mais carenciados, o PRR, apesar da propaganda eleitoral, começa a derrapar e não será integral e utilmente aproveitado), então que fazer? Inventa-se à pressa um PowerPoint a que o Governo chamou «reforma da política de habitação» e o Sr. PR crismou de melão, e encharca-se a opinião pública com uma discussão inútil, mas que afecta a credibilidade do estado português.

Se não for suficiente, explora-se até ao tutano o filão TAP, com ou sem comissão de inquérito, elege-se um bode expiatório (o mordomo) e anuncia-se que, finalmente se virou a página.

Nunca se retiram consequências políticas a não ser aquelas que possam vir a ser úteis, no futuro, para a luta interna no Partido Socialista, pela herança envenenada do SG António Costa.

O chico-espertismo criado pelos spin doctors é agora a regra de ouro da governação.

Por isso é natural que, hoje como em 1978, a indiferença cresça. Mas a indiferença não dura sempre e constitui o terreno mais adequado para fazer surgir projetos políticos extremistas da esquerda ou da direita.

Ao contrário dos anos difíceis, mas gloriosos, das décadas de 80 e 90 do século passado, a política em Portugal sente hoje a falta de personalidades que olhem, primeiro para o país e só depois para os seus interesses (Mário Soares e o seu socialismo na gaveta é o melhor exemplo) e está dominada (também no Governo) por anões sem competência e sem sentido de Estado.

Numa democracia liberal compete aos freios constitucionais, atuarem e reporem a racionalidade.

Aguardemos para ver como o PR, vai descascar o melão.